Posse de drogas para uso próprio

Recentemente, o desembargador José Henrique Rodrigues Torres, integrante da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, absolveu uma pessoa que havia sido presa em flagrante portando, para consumo próprio, 7,7 gramas de cocaína.

O entendimento do relator logrou vitorioso naquela Câmara quando dois outros integrantes o acompanharam nos votos, tornando-se essa decisão a primeira do país, em segunda instância, a descriminalizar o uso de droga.

Segundo o voto condutor, a criminalização pelo Estado do uso de droga é inconstitucional, pois viola o princípio da ofensividade (não ofende terceiros), da intimidade (pois usar drogas seria uma opção íntima subjetiva) e da igualdade (na medida em que outras drogas, como o álcool, são consideradas lícitas no país). Assim, a Câmara afastou a aplicação do artigo 28 da Lei n. 11.343, de 2006, por entendê-lo inconstitucional, absolvendo o acusado pela atipicidade da conduta.

A decisão parece ter sido proferida na esteira de uma série de decisões tomadas pelas Cortes Constitucionais de países vizinhos. A Suprema Corte de Justiça da Nação Argentina, em agosto de 2005, na Causa n. 9.080, proveu recurso extraordinário interposto contra uma decisão que havia condenado uma pessoa por posse de entorpecentes para uso pessoal. O argumento foi de que o tipo penal criminalizante da posse de droga para uso pessoal previsto no artigo 14, § 2º, da Lei 23.737/1989, viola o artigo 19 da Constituição Argentina, de onde se extrai que “las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un terceiro, están sólo reservadas a Dios, y exentas de la autoridade de los magistrados. Ningún habitante de la Nación será obligado a hacer lo que no manda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe”.

Os sete magistrados integrantes da Suprema Corte foram unânimes em prover o recurso e entenderam que, de fato, o dispositivo da lei que criminalizou a posse da droga para uso pessoal ofendeu a Constituição. Os magistrados, nesse caso, ressaltaram que as drogas não foram legalizadas com a decisão, mas a posse ou o porte de pequena porção para uso próprio deixou de ser crime.

Na sequência, a Corte Suprema Colombiana[1] reiterou, em 2009, decisão já proferida em 1994, entendendo que a posse de droga para uso próprio não constitui crime. A legislação colombiana fixa quantidade de drogas para enquadrar a pessoa que a porta como usuário ou traficante. Neste particular, o acusado havia sido preso, processado e condenado a uma pena de cinco anos por portar 1,3 gramas de cocaína, conquanto a legislação fixa o máximo para uso em um grama.

Valendo-se do princípio da ofensividade (lesividade), a Corte Constitucional Colombiana absolveu o réu por entender que ninguém pode ser condenado, salvo se sua conduta cause danos a terceiros. Por não haver lesão a bens jurídicos de terceiros não é possível falar-se em crime[2].

No Brasil, o debate sobre a criminalização ou não da posse ou porte de droga para uso próprio está na pauta do Congresso Nacional. Em agosto deste ano a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania debateu a descriminalização, marcadamente considerando os argumentos de que o uso de droga oferece risco à saúde apenas do usuário, dizendo com suas opções pessoais, sua intimidade e liberdade.

O campo está aberto aos debates.

[1]             A. 31.531; Réu: Ancízar Jaramillo Quintero.

[2]             O princípio invocado pela Corte Constitucional Colombiana está expresso na Ley 599/2000, em seu artigo 11, de onde ressai que “para que una conducta típica sea punible se requiere que lesione o ponga efetivamente en peligro sin justa causa, el bien juridicamente tutelado por la ley penal”.