Vacinação obrigatória de empregados: direito ou abuso de poder?

*Patricia Miranda Centeno

A pandemia de Covid-19 tem suscitado discussões sobre os limites do direito coletivo e suas intersecções com as garantias individuais. O assunto, por sua abrangência constitucional, é tema de todas as áreas do direito, não sendo diferente na área trabalhista.

A não responsabilização do Estado pelo fechamento de empresas em razão dos decretos de suspensão da atividade econômica, por se tratar de ato que visava o bem coletivo e que, por isso, sobrepõe ao todo poderoso direito patrimonial é um exemplo atual do que, no direito, chamamos de fato do príncipe, termo utilizado para designar um ato do poder público, geralmente abrangido pelo direito administrativo, mas que encontra aplicabilidade também nos direitos civil e trabalhista.

Esta análise se faz atual quando se pretende responder à questão: pode o empregador exigir a vacinação do empregado, sob pena de aplicação das punições disciplinares, podendo, inclusive, culminar em rescisão por culpa do trabalhador?

Quando o questionamento se refere à vacinação contra a COVID-19, é preciso fazer algumas considerações. Sabe-se que o Brasil segue o Plano Nacional de Imunização, ou seja, pela rede pública e de forma voluntária. Não houve, por parte do governo federal a iniciativa de torná-la de caráter obrigatório. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1267879, decidiu pela constitucionalidade da vacinação obrigatória, desde que o imunizante esteja devidamente registrado por órgão de vigilância sanitária, esteja incluído no Plano Nacional de Imunização (PNI) e tenha sua obrigatoriedade incluída em lei ou tenha sua aplicação determinada pela autoridade competente.

Ao fundamentar a decisão, o relator destacou que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Em conclusão, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade – citando como o exemplo o uso de cinto de segurança.

Em resumo, a vacinação não é obrigatória no Brasil e mais especificamente no Estado de Goiás, que promulgou lei que proíbe a vacinação obrigatória. Entretanto, a Suprema Corte brasileira já deixou evidências por onde caminhará seu entendimento.

Assim, o que se precisa responder é se o empregador pode tornar a medida obrigatória para seus trabalhadores. A resposta é positiva. Existe a prerrogativa de que a vacinação se torne política da empresa, sendo incluída em seu Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) E existe um universo de justificativas jurídicas para isto, dentre elas: ser obrigação constitucional da empresa a manutenção da saúde e segurança no ambiente de trabalho, aliado ao fato de ser a imunização a única medida capaz de combater definitivamente a pandemia.

Mas atenção: a vacinação pode ser medida obrigatória no âmbito da empresa, o que não leva a conclusão imediata de que os empregados que se recusarem a recebê-la possam ser dispensados por justa causa. A medida não é legalmente obrigatória e, como o próprio STF ressaltou, pode até vir a ser, caso a obrigatoriedade seja incluída em lei ou tenha sua aplicação determinada pela autoridade competente.

Até lá, o empregador pode utilizar de seu poder discricionário e não manter em seus quadros o empregado que se recusa a cumprir a política de saúde da empresa. Entretanto, torna-se demasiadamente arriscado utilizar do poder punitivo em razão de ato do qual o cidadão encontra-se civilmente desobrigado. Trocando em miúdos, enquanto não se tratar de uma política obrigatória por lei ou expressamente determinada por autoridade competente, em caso de recusa do empregado, a prerrogativa do empregador está na dispensa sem justa causa.

*Patricia Miranda Centeno é advogada trabalhista, sócia do escritório Miranda Arantes Advogados