Execução do sócio de empresa em recuperação judicial

Diogo Almeida Ferreira Leite escreve hoje sobre a execução do sócio de empresa em recuperação judicial. Ele é advogado associado no escritório Marden e Fraga Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás – UFG, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes (Atame Pós-Graduação) e em Direito Digital e Compliance pela Damásio Educacional. Diretor de Imprensa e Comunicação da Associação Goiana da Advocacia Sindical Obreira – ASIND.

Leia a íntegra do texto abaixo:

Diogo Almeida Ferreira Leite

Há uma crença de que os créditos trabalhistas de uma empresa em recuperação judicial tem como única forma de satisfação a sujeição ao plano de recuperação judicial e, portanto, o credor tem de esperar por anos até o efetivo recebimento, correndo ainda o risco de a empresa falir, o que dificultaria ainda mais o pagamento, no entanto há entendimentos consolidados no sentido de que é possível a desconsideração da personalidade jurídica para direcionar a execução aos bens do sócio da empresa recuperanda.

Assim, mesmo que haja centralização dos atos judiciais contra a empresa no juízo em que tramita a recuperação judicial, ainda é possível desconsiderar a personalidade jurídica conforme a Teoria Menor adotada pela Justiça Trabalhista, afinal essa teoria preconiza que a simples insuficiência financeira da empresa executada já é fundamento para a desconsideração e a recuperação judicial é exatamente isso, a indisponibilidade dos bens e recursos da empresa de tal forma que se encontra incapaz de adimplir qualquer dívida e deve o credor ingressar no plano de pagamento.

Dessa forma, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica a empresas em recuperação judicial não encontra qualquer óbice no que tange aos seus requisitos, porquanto o art. 28 do CDC, em que há previsão legal da denominada Teoria Menor, especifica que haverá a possibilidade diante da simples insolvência, sequer sendo possível alegação de lacuna legislativa ou necessidade de interpretação extensiva. O parágrafo quinto do referido dispositivo legal inclusive dispõe ser possível a desconsideração meramente quando a personalidade jurídica for um obstáculo ao ressarcimento dos consumidores, hipossuficientes segundo a legislação consumerista tal qual são os empregados nos termos da legislação trabalhista.

A seguir o texto do referido artigo:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(…)

  • 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

No mesmo esteio, cumpre ressaltar ainda que o art. 28 do CDC preconiza ser possível a desconsideração mesmo em caso de falência, cenário esse, obviamente, mais alarmante que a recuperação judicial, tanto que há entendimento do TST no sentido de que seria possível a flexibilização da legislação trabalhista, como é o caso da inaplicabilidade das multas dos artigos 467 e 477 da CLT quando se tratar de massa falida. Nesse sentido, sendo a desconsideração possível quando se tratar de falência, obviamente também é possível quando se tratar de recuperação judicial, não devendo haver qualquer flexibilização à legislação aplicável.

O que se conclui, da perspectiva da análise hermenêutica, é que a desconsideração pela Teoria Menor exige apenas a insolvência por parte da empresa devedora, razão pela qual pode o credor habilitar o crédito no juízo da recuperação judicial ou direcionar a execução em face dos sócios, não há obrigatoriedade em decidir pelo primeiro meio de satisfação de seu crédito.

O único óbice à desconsideração da personalidade jurídica é a abrangência dos sócios da empresa recuperanda pelo plano de recuperação judicial, conforme verifica-se a partir dos seguintes julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região:

“EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA O SÓCIO. POSSIBILIDADE. Consoante jurisprudência firmada pelo TST e pelo STJ, esta Justiça Especializada é competente para apreciar e julgar o pleito de desconsideração da personalidade jurídica para redirecionamento da execução contra os sócios da empresa em recuperação judicial, desde que os bens de tais sócios não tenham sido atingidos pelos efeitos da recuperação judicial.” (TRT18, AP – 0010765-78.2016.5.18.0281, Rel. GENTIL PIO DE OLIVEIRA, 1ª TURMA, 14/08/2020).

(TRT18, AP – 0011104-51.2019.5.18.0016, Rel. WELINGTON LUIS PEIXOTO, 1ª TURMA, 16/04/2021)

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM FACE DE SÓCIOS. POSSIBILIDADE. Não há óbice ao redirecionamento da execução em face dos sócios da executada que se encontre em recuperação judicial, desde que seus bens não tenham sido atingidos pelo processo de recuperação judicial.

(TRT18, AP – 0010788-8.2018.5.18.0005, Rel. PAULO PIMENTA, 2ª TURMA, 14/05/2021)

EXECUÇÃO CONTRA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Consoante jurisprudência firmada pelo TST e pelo STJ, a Justiça do Trabalho tem competência para determinar o redirecionamento da execução em face dos sócios da empresa recuperanda, desde que não abrangidos pelo plano de recuperação judicial.

(TRT18, AP – 0010777-82.2018.5.18.0003, Rel. CESAR SILVEIRA, 3ª TURMA, 18/05/2021).

AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA INDISTINTA DE QUALQUER RAMO DA JUSTIÇA BRASILEIRA. AUSÊNCIA DE INVASÃO DE ATRIBUIÇÕES JUDICIAIS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a Justiça do Trabalho tem competência para decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em recuperação judicial, pois tal mister não é atribuído com exclusividade a um determinado Juízo ou ramo da Justiça. 2. Agravo interno desprovido.” (AgInt no CC 159.470/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13-3-2019, DJe 18-3-2019)

(TRT18, MSCiv – 0011015-13.2018.5.18.0000, Rel. SILENE APARECIDA COELHO, TRIBUNAL PLENO, 19/12/2019)

Diante de todo o exposto, não há dúvidas quanto à possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Justiça do Trabalho mesmo em se tratando de empresa em regime de recuperação judicial, restando superada compreensão de que esse instituto serve como uma efetiva blindagem aos sócios mesmo diante da sua capacidade de satisfazer o crédito dos credores.