Mulheres têm caminho mais difícil para direitos previdenciários com a pandemia, avaliam especialistas

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Nesta semana em que foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, as brasileiras têm pouco a comemorar quando o assunto é o acesso aos direitos previdenciários. A pandemia provocada pelo coronavírus, as novas flexibilizações das legislações trabalhistas e a reforma da Previdência, aprovada em novembro de 2019 dificultaram o caminho das trabalhadoras para alcançar o direito de se aposentar e aos demais benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Reflexo da pandemia é o estudo que aponta um retrocesso de 10 anos na participação das mulheres no mercado de trabalho na América Latina, apresentado pela CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – organismo das Nações Unidas. O documento aborda os efeitos da pandemia sobre o emprego e a renda das mulheres e propõe ações para a igualdade de gênero na recuperação. O levantamento ressalta que em 2020, 118 milhões de mulheres estavam em situação de pobreza; 23 milhões a mais que em 2019. Além do aumento do desemprego, as mulheres se viram com uma sobrecarga de trabalho doméstico três vezes maior que a de homens.

Na visão da advogada Lariane Del Vecchio, sócia da BDB Advogados, a pandemia deixou mais claro a desigualdade de gênero e a vulnerabilidades das mulheres. “Com o agravamento da pandemia vem a obrigação do distanciamento social afetando a economia, a vida social e principalmente as relações de trabalho e previdenciárias. É sabido que com o fechamento de escolas e creches, trouxe uma sobrecarga de trabalho para as mulheres, e muitas não tem com quem deixar seus filhos, e são obrigadas a sair do mercado de trabalho, após reiteradas faltas injustificadas pela legislação. E diante da diminuição de rendimentos, o trabalho das diaristas e das domésticas são os primeiros a serem dispensados” avalia a especialistas.

Com este afastamento do mercado de trabalho, ou até mesmo demora de recolocação, muitas mulheres não conseguem continuar contribuindo para a Previdência Social. “Isso afeta diretamente a obtenção de qualquer benefício do INSS e até mesmo na tão sonhada aposentadoria. Após um ano de instabilidades no mercado trabalhista, quem conseguiu se manter na qualidade de segurado, ainda enfrenta a falta de tempo para buscar o seu benefício ou documentos que seriam necessários para instruir o processo administrativo.”, frisa Lariane Del Vecchio.

De acordo com o advogado Leandro Madureira, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, na obtenção da aposentadoria, às mulheres, via de regra, aplicam-se requisitos de elegibilidade de tempo de contribuição e de idade que são menores do que aqueles aplicáveis aos homens. “Contudo, isso não é um privilégio, mas apenas um ajuste social relativo à proteção social, tendo em vista que historicamente as mulheres possuem maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, além de receberem menores salários. Assim, invariavelmente, seus benefícios previdenciários tendem a ser também menores do que aqueles concedidos aos homens”, aponta.

Reforma e benefícios

Além dos obstáculos impostos neste primeiro ano de pandemia, a reforma da Previdência endureceu o caminho para as mulheres terem acesso à aposentadoria. “Sem dúvida alguma as mulheres foram mais penalizadas com a reforma da Previdência. Com as novas regras, o governo jogou por terra as medidas de redução de desigualdade de gênero que existiam. Por exemplo, a reforma desconsiderou que as mulheres trabalham mais que os homens durante a vida, pois geralmente elas cumprem jornada dupla, ou seja, trabalham no emprego e em casa”, pontua o advogado especialista em Direito Previdenciário Celso Joaquim Jorgetti, sócio da Advocacia Jorgetti.

A principal mudança para as mulheres foi na regra para a aposentadoria. Antes, a trabalhadora podia se aposentar por dois caminhos, por tempo de contribuição e o outro por idade. Por tempo de contribuição eram necessários 30 anos, independente da idade. Exemplo: Uma mulher que começou a trabalhar com 18 anos e passou três décadas trabalhando com carteira assinada, poderia se aposentar com 48 anos. Já por idade a mulher podia se aposentar aos 60 anos e pelo menos 15 anos de contribuição.

“Após a reforma da previdência, ficou determinado que para se aposentar a mulher deve ter contribuído por no mínimo 15 anos, mas a idade mínima subiu para 62 anos”, informa Jorgetti.

Pensão por morte

Outra modificação da reforma que prejudicou muito as mulheres foi no benefício da pensão por morte, pois as viúvas, mães, filhas, ex-cônjuges e irmãs. Elas representam 83% dos que recebem esse tipo de pensão do INSS. “Após a reforma os dependentes (principalmente mulheres) não vão mais receber o mesmo valor da aposentadoria a que o segurado que faleceu, tinha direito. No caso da viúva o benefício será de 60% do valor original se não tiver filhos. Se tiver filhos, a pensão terá um acréscimo de 10% por dependente até o teto de 100%. Mães, filhas e irmãs, se for o caso benefício será de apenas 60%”, alerta o especialista.

O advogado João Badari, sócio do escritório Aith Badari e Luchin, destaca que entre os principais benefícios previdenciários das mulheres está o salário-maternidade, que é o benefício concedido à segurada da Previdência Social, durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste. “Ao segurado ou à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança também é devido salário-maternidade pelo período de 120 dias”, diz.

Os demais benefícios previdenciários devidos aos segurados e dependentes da Previdência Social também são concedidos às mulheres. São eles: aposentadorias (por idade, por tempo de contribuição, por invalidez, especial); auxílio-doença; auxílio-acidente; salário-família; pensão por morte e auxílio-reclusão. Há ainda os serviços da Previdência Social, como a reabilitação profissional e o serviço social.

Na visão da Marco Aurélio Serau Junior, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário e doutor e mestre em Direitos Humanos pela USP, não há benefícios previdenciários específicos para as mulheres.

“Em regra os benefícios previdenciários são criados para ambos os gêneros; historicamente, a pensão por morte foi estruturada essencialmente para a mulher, considerando um outro momento histórico em que somente o homem trabalhava e era o provedor do lar, sendo criado o benefício para o caso de seu óbito, mas hoje a pensão por morte é devida indistintamente a mulheres e homens. Mesmo o salário-maternidade, criado especificamente para a mãe, hoje possui um desdobramento maior, podendo ser atribuído também ao pai, no caso de óbito da mãe, ou mesmo no caso de adoção”, afirma o professor.

Mulheres trans

Para Leandro Madureira, para melhorar o sistema previdenciário é preciso que contemple as mulheres trans e travestis como pessoas que tenham regras de concessão de benefícios previdenciários. “Em uma população que tem uma expectativa de sobrevida de 35 anos, não é crível impor uma idade mínima de 60 anos para que elas possam se aposentar. Quanto às mulheres e homens cis, importante que as inadequações previstas na reforma da previdência possam ser corrigidas, permitindo que haja uma diferenciação justa entre ambos”, observa.