Limitar tamanho de petições pode ser inconstitucional e fere a autonomia do advogado, afirmam especialistas

Wanessa Rodrigues

Limitar o número de páginas das peças produzidas por advogados pode ser considerada uma medida inconstitucional e fere a autonomia do advogado. O entendimento é compartilhado por advogados ouvidos pelo Portal Rota Jurídica sobre a limitação imposta pela 2ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ao manter decisão que obrigou um advogado a reduzir sua petição inicial, relacionada à ação de revisão de contrato bancário, de 40 para, no máximo, dez laudas.

Em sua decisão, o relator do caso, desembargador Luiz Fernando Bolleruma, disse que uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 20, 35 ou 50 folhas, provavelmente não. Disse, ainda, que a exceção ao seu entendimento ocorreria em “uma ação de grande complexidade.

alexandre pimentel
Pimentel acredita que a decisão pode ser não só considerada ilegal, como também atentatória contra toda a sistemática de Poder Constituído vigente no país.

O advogado Alexandre Carlos Magno Mendes Pimentel observa que não existe nas regras processuais aplicáveis aos ramos do Direito subjetivo (cível, trabalhista ou criminal) qualquer regulamentação quanto à extensão de uma petição. Ele salienta que a tentativa em questão atenta contra a liberdade técnica de que goza, naturalmente, o advogado.

Pimentel salienta que, ao advogado cabe, exclusivamente, a missão de assessoria jurídica, e esse múnus lhe assegura a prerrogativa de analisar o que melhor assiste ao interesse daquele que confiou a defesa. Para ele, não pode ser uma decisão, judicial flagrantemente violadora dos dispositivos legais e constitucionais vigentes, a responsável por atentar contra a liberdade de atuação do advogado. O especialista acredita que a decisão pode ser não só considerada ilegal, como também atentatória contra toda a sistemática de Poder Constituído vigente no país.

Luciana Maciel, especialista em Direito de Família, diz que, além de ser inconstitucional, a decisão fere a autonomia do advogado, que também é protegida pela norma constitucional e infraconstitucional. Segundo ela, cabe ao magistrado a análise do direito levado a juízo, seus requisitos legais e formais, e, não à maneira como ele é apresentado, sob pena daquele exceder o poder que lhe é conferido.

advogado Dyogo Crosara
Para o advogado Dyogo Crossara, limitar petição é limitar o exercício da advocacia.

A advogada observa que, muitas vezes, petições longas são desnecessárias e repetitivas. Todavia, a limitação não é a forma mais adequada de tratar a questão, pois algumas situações fáticas exigem maior detalhamento, ou mesmo o direito em questão merece uma análise aprofundada. “A escolha da tese defendida e da relevância da exposição de fatos e argumentos deve ser decidida unilateralmente pelo advogado, constituído pela parte em nome de uma confiança profissional estabelecida, capacitado e habilitado para tanto”, acrescenta.

Diogo Crossara, advogado eleitoral e conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), diz ser contra a limitação, pois, para ele, o advogado tem o direito de expor as suas teses da forma que melhor lhe convier. Isso é a essência do próprio direito de petição, consagrado pela própria Constituição Federal. “O advogado não atua por si, mas sim pelo cliente, sendo que a parte tem o direito de fazer representar sempre da melhor forma. E mais: muitas vezes as ações têm uma complexidade tão alta que em poucas páginas não é possível desenvolver as teses necessárias para a complexidade da ação. Limitar petição é limitar o exercício da advocacia”, diz.

Razoável
O advogado Ricardo de Mendonça Neto entende que a limitação se revelou uma decisão razoável, sobretudo para ascender uma importante discussão acerca da necessidade de petições ilimitadas e, às vezes, de vazio conteúdo jurídico. Neste viés, ele ressalta que há tanto petições como decisões longas e sem coesão. Contudo, o advogado diz que é salutar que a classe jurídica analise o tema com bom senso para que o trabalho do advogado não seja prejudicado, posto que a mencionada decisão não possui qualquer lastro legal, se revelando inconstitucional.

Na mesma linha de raciocínio Mendonça Neto diz que é certo que, caso a caso, as petições longas são necessárias, sobretudo ao desenvolvimento de novas teses jurídicas ou casos de grande complexidade. “Ademais, matérias já exauridas pelas instâncias revisoras comportam com precisão petições concisas e com fundamentação coerente”, acrescenta.

Celeridade
Mendonça Neto ressalta que a leitura de toda e qualquer petição que lhe seja dirigida é uma obrigação do juiz como servidor do povo. Porém, o advogado lembra que, na atualidade, o acesso à Justiça é muito mais democrático, fato que elevou sobremaneira o número de ações e tornou o judiciário abarrotado e mais lento. Por isso, neste ponto, ele observa que a advocacia pode, na maioria dos casos, produzir peças mais sucintas, visando a celeridade processual das próprias ações e do sistema como um todo.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui o Projeto “Petição 10 Sentença 10”, o qual limita os trabalhos jurídicos em dez laudas, ou cinco laudas frente e verso e com a modificação de fonte de texto e diminuição de espaço entre linhas. O referido projeto possui escopo o formato utilizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que estabelece a concisão como norma e limita os pedidos de 3 mil a 15 mil caracteres, conforme o caso.

Bom senso
O advogado Tabajara Póvoa ressalta que não existe limite do número de páginas de uma petição, descrito em qualquer código processual. Porém, nos dias atuais, é preciso bom senso, caso a matéria não seja complexa descrever, ou escrever mais de 40 laudas não é algo pertinente. “Podendo, ao meu ver, ser considerado como abuso do direito de petição. Nos dias atuais devemos ser mais claros e objetivos, a petição prolixa dificulta o trabalho do julgador e na maioria das vezes traduz em dificuldade para compreender o direito do constituinte”, diz. Póvoa salienta que não há necessidade de despender grande número de páginas para questões corriqueiras, enfrenadas diariamente pelo judiciário, devendo ser mais elucidativa quando o assunto for complexo.