Inquérito conclui que prefeitura de Goiânia não dá destinação correta aos recursos arrecadados com as multas de trânsito

Inquérito aberto pela promotora Alice de Almeida Freire, da 7ª Promotoria de Justiça de Goiânia, concluiu que a prefeitura de Goiânia não dá destinação correta aos recursos arrecadados com as multas de trânsito. O inquérito resultou em ação civil pública protocolizada nesta quinta-feira (9/2) contra o Município no Fórum de Goiânia. Ao longo dos últimos 11 meses, a promotora analisou diversos documentos e informações prestadas por órgãos e agentes públicos e apurou que a Prefeitura não cumpre o que determina o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

De acordo com a lei federal, os valores oriundos da cobrança de multas devem ser aplicados exclusivamente em sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. É, portanto, uma arrecadação vinculada, carimbada. Segundo apuração da promotora, entre as despesas de 2015 informadas pela SMT consta, inclusive, que R$ 108 mil foram utilizados no pagamento da locação de veículo de passeio do secretário e para o custeio de café da manhã.

A SMT informou também o gasto de R$ 922 mil com o pagamento de despesas administrativas, conduta contrária ao disposto no Código de Trânsito Brasileiro. Pesa ainda contra o Município de Goiânia o fato de todos os recursos das multas serem direcionados para a conta única da Prefeitura, na Secretaria de Finanças, e não ficarem na SMT para a correta aplicação. Os recursos financeiros advindos das multas da SMT passaram a ser entregues para o Município por meio da Secretaria Municipal de Finanças, que, além de controlar as verbas, também arcava com repasse e pagamento de servidores da Guarda Civil Metropolitana, segundo depoimentos.

A SMT informou que em 2015 arrecadou com multas de trânsito o total de R$ 32 milhões, dos quais R$ 30,5 milhões teriam sido utilizados em despesas nas categorias de educação de trânsito, administrativas, fiscalização, engenharia e sinalização e implantação. Contudo, o órgão não apresentou qualquer documento que comprovasse esta destinação, bem como não justificou como foi usado o saldo remanescente, superior a R$ 1,5 milhão.

Na ação, Alice Freire informa que em 2014 e 2015 o poder público municipal desenvolveu somente nove campanhas de educação para o trânsito e que em 2016 não foi apresentado nenhum projeto neste sentido. Também verificou que os serviços de sinalização foram inexpressivos, atingindo 167 bairros da capital em 2015 e 95 no primeiro trimestre de 2016, de um total de mais de 540 bairros cadastrados em Goiânia. “Tudo isso tem resultado em um trânsito desordenado, ausência de fiscalização e flagrantes infrações praticadas pelos condutores de veículos”, afirma.

Poucos agentes
Outro problema levantado pela promotora é o pequeno número de agentes da SMT. Dados apresentados pelo órgão informaram que são 319 agentes, dos quais somente 254 atuam na fiscalização. Os demais encontram-se em funções administrativas ou à disposição de outros órgãos. Como a frota de Goiânia supera 1,1 milhão de veículos, tem-se a média superior a 27 mil veículos por agente de trânsito, enquanto o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) recomenda o máximo de 2 mil veículos por agente. Foi verificado ainda que, apesar de a Lei nº 9.323, de 2013, ter criado o Conselho Municipal de Transporte e Mobilidade de Goiânia, o órgão ainda não está implantado.

Para exemplificar o problema que se transformou o trânsito, estatísticas apresentadas na ação informam que entre 2008 e 2013 Goiânia esteve entre as seis capitais com maior índice de mortalidade no trânsito. Outros números, constantes de dados das polícias Civil e Militar, mostram que na capital foram registrados 17.070 acidentes de trânsito com e sem vítimas entre 2010 e 2015. Somente o Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) atendeu, entre janeiro e novembro de 2016, um total de 5.127 vítimas de acidentes de trânsito na emergência da unidade.

Para Alice Freire, o investimento em políticas de melhoria do trânsito e a garantia da segurança dos usuários das vias não é prioridade do Município de Goiânia, o que não se deve à falta de recursos, tendo em vista o expressivo montante oriundo da aplicação de multas. Para ela, isso é consequência da má gestão, negligência e descaso do poder público com o gerenciamento das verbas. Em contrapartida, o que se vê atualmente é o sucateamento da SMT, com contratos rompidos ou suspensos, máquinas e veículos parados e aluguel dos imóveis atrasados, como atrasados também o pagamento das contas de luz, água e serviços de correio, conforme afirmaram servidores e dirigentes ouvidos na Promotoria.

Pedidos à justiça
Para buscar reverter o quadro caótico e desordenado que se transformou o trânsito de Goiânia, o Ministério Público de Goiás, por meio da 7ª Promotoria de Justiça, solicitou liminarmente ao Poder Judiciário a imediata abertura de conta específica destinada exclusivamente ao recebimento dos recursos provenientes da arrecadação de multas de trânsito pela SMT, garantindo sua aplicação conforme o artigo 320 do CTB; proibir a utilização da receita da aplicação de multas em atividades ou serviços diferentes daqueles previstos no artigo 320 e que seja providenciado o retorno imediato de todos os agentes de trânsito para a atividade de fiscalização.

No mérito da ação, Alice Freire requer a confirmação dos pedidos liminares bem como a estruturação da SMT com recursos humanos e materiais necessários ao pleno atendimento da política nacional de trânsito, inclusive aumentando o número de agentes contratados por concurso, além da efetiva implantação do Conselho Municipal de Transportes e Mobilidade, com estrutura para desempenhar as funções previstas na lei nº 9.323/2013.

Pede também que o Município de Goiânia seja condenado ao pagamento de R$ 30 milhões, a fim de reparar o dano à coletividade, em razão da ausência de investimentos em políticas de gestão e melhoria do trânsito. Este valor, que deverá ser revertido à reestruturação da SMT, corresponde à média dos gastos indevidamente utilizados entre 2013 e 2015 com despesas administrativas, somados aos pendentes de comprovação da correta destinação. Este período deve-se à reforma administrativa realizada em 2013, quando a Agência Municipal de Trânsito transformou-se em Secretaria Municipal de Trânsito. (Assessoria de Comunicação Social do MP-GO)