Exame psicotécnico como forma eliminatória deve ser previsto em lei, entende juiz

Marília Costa e Silva

Um candidato, que foi reprovado no exame psicotécnico do concurso público para o cargo de Técnico Mecânico da Companhia Rio Grandense de Saneamento (Corsan), garantiu, na Justiça, o direito de participar da próxima etapa do certame, qual seja, os exames médicos. A decisão é da juiz do trabalho de Porto Alegre, Leandro Krebs Gonçalves, que declarou a nulidade do ato administrativo que excluiu o autor do concurso, regido pelo Edital nº 01/2014.

O candidato, representado na ação pelo advogado goiano Agnaldo Bastos, do escritório Agnaldo Bastos Advocacia Especializada, apontou que participou do concurso público para ingresso nos quadros de vagas Corsan, logrando êxito na prova objetiva, restando classificado na 4ª colocação. Todavia, foi eliminado durante a fase de exames admissionais, especificamente em sua primeira etapa, qual seja, durante a avaliação psicológica.

Diante da dinâmica que foi apresentada ao autor da ação acerca de sua inaptidão, ele interpôs recurso administrativo, que não foi acolhido, a fim de pleitear a reversão do entendimento sobre tal evento, por entender que sua eliminação foi arbitrária, ferindo os princípios da motivação e legalidade, uma vez que o relatório psicológico não previa critérios objetivos para atribuição de respostas pormenorizadas quanto ao resultado dos testes, principalmente no tocante aos que o autor não logrou êxito.

Advogado Agnaldo Bastos, de Goiânia, representou o autor na ação

Inconformado, ele judicializou o caso. Foi escolhida a Justiça do Trabalho e não a Comum porque, conforme entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho,  ela é a competente para julgar casos envolvendo concurso público para provimento de novos empregados públicos. Na Justiça do Trabalho, foi sustentado  que o candidato realizou todos os testes psicológicos de maneira razoável, conforme solicitado pelo departamento de recursos humanos da Corsan, porém, seu nome não se encontra na lista de classificação do resultado final da respectiva avaliação.

No momento em que recebeu o resultado dos testes, o autor aponta que se surpreendeu com a quantidade de inaptidões contadas em algumas modalidades específicas. No relatório, no tocante aos pontos a desenvolver, foi indicado que ele deveria ampliar sua concentração, desenvolver seu relacionamento interpessoal, buscar qualidade, organização e empenho nas atividades laborais, manter a confiança em si mesmo e buscar ponderações em relação a suas ações.

No entanto, mesmo com essas observações, a banca examinadora aprovou o candidato no
tocante a capacidade de raciocínio em geral, boa velocidade de processamento, capacidade de memória adequada, com ótima produtividade e realizar atividades com equilíbrio e ponderação. “Diante das afirmações positivas do próprio requerido, por si só demonstra a capacidade do requerente para desempenhar suas funções, principalmente porque os pontos de melhoria podem ser atendidos prontamente no decorrer do período de experiência que o próprio candidato poderia passar. Ademais, alguns daqueles fatores a serem melhorados são inconstantes, havendo mutações em relação a personalidade do requerente”, frisou no recurso.

Além disso, o representante legal do candidato ponderou que, em relação ao referido teste psicológico, não há legislação específica da Corsan prevendo a viabilidade legal da submissão dos candidatos a tal procedimento, razão pela qual pugnou pela invalidação por completo da respectiva etapa, sob pena de lesão ao princípio constitucional da legalidade, tendo em vista que a matéria em comento é objeto de súmula vinculante nº 44 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.

Em seu favor, a Corsan, por sua vez, sustentou que o exame psicológico ao qual se sujeitou o autor não é ilegal ou inconstitucional, considerando expressa previsão no edital do concurso público, para fins de verificação da adaptação dos traços de personalidade às atribuições e particularidades do cargo. Asseverou, ainda, que, conforme laudo psicológico, o autor apresenta características que podem prejudicá-lo, visto que o cargo que almeja se enquadra em atividades de risco, que podem inclusive colocá-lo em perigo.

Ao analisar o caso, contudo, o magistrado ponderou que, sobre a exigência de exame psicotécnico para aferição de saúde psicológica de candidato à cargo/emprego público, o STF, como citado pelo autor da ação, consolidou entendimento através da Súmula nº 686, posteriormente convertida na Súmula Vinculante nº 44. “Nesse sentido, afigura-se ilegal a previsão contida no edital do concurso ao qual se submeteu o autor, mormente pela ausência de previsão legal que ampare esse tipo de exame psicológico para concurso de provimento de cargos da Corsan, ainda que o edital do concurso preveja etapa eliminatória dessa natureza.

Com esse entendimento, o juiz declarou a nulidade do ato administrativo (exame psicológico) que exclui o autor do concurso público para o cargo de Técnico Mecânico, conforme Edital de Concurso nº 01/2014, e determinou que a ré possibilite ao autor que participe regularmente da segunda etapa dos exames admissionais.

RTOrd 0020713-15.2018.5.04.0006