O Supremo e a piada de salão

Em 2005, quando o escândalo do mensalão foi divulgado pela imprensa, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, agora já definitivamente condenado a 8 anos e 11 meses de reclusão, afirmou que em breve aquele escândalo se tornaria uma piada de salão.

Essa semana, em um dos capítulos finais do julgamento da Ação Penal Originária nº 470, o Supremo Tribunal Federal não apenas tratou limpar o deboche do agora condenado, como demonstrou para a imprensa, inclusive internacional, que há juízes em terras tupiniquins.

O jornal The New York Times destacou que o braço direito do ex-presidente Lula, José Dirceu, foi condenado por corrupção e formação de quadrilha e iniciará o cumprimento dos seus 10 anos e 10 meses de condenação em regime fechado.

O britânico Financial Times captou bem o espírito do julgamento, classificando como um divisor de águas em um país onde os políticos e as elites são acusados de usar um sistema jurídico ineficiente para agir com  impunidade.

Não foi diferente com o Le Monde, para quem três aliados de Lula foram julgados corruptos.

A boa nova correu o mundo.

O Brasil que ostentava a imagem, não equivocada, de o país de grandes riquezas naturais, de enorme potencial, mas atolado em um lamaçal de corrupção, dá sinais, por meio de sua mais alta corte judicial, de que ainda que o sistema jurídico – confeccionado meticulosa e cuidadosamente por aqueles que temem um dia serem vítimas de sua própria criatura – não seja o adequado, é suficiente quando há vontade jurídica de todos os envolvidos no controle e na persecução penal.

Quando o Supremo Tribunal Federal decide, como ocorreu nesta quarta-feira passada, que dos 25 condenados, 23 iniciarão o cumprimento das penas que lhes foram impostas, ainda que ainda pendente de discussão em agravo regimental, e melhor, 19 deles em regimes fechado e semi-aberto, envia um recado à magistratura de piso, de que o pensamento de Sólon, de 500 anos antes de Cristo,  não pode mais vigir no século XXI. As leis não podem ser teias de aranha que apanham os pequenos e são rasgadas pelos grandes.

A magistratura de primeiro grau, que inicialmente toca em questões ligadas à improbidade, recebe novo ânimo.

Desmistifica-se a ideia plantada sabe-se lá por quais grupos, de que os órgãos jurisdicionais colegiados são mais complacentes com aspectos políticos, com a governabilidade, permitindo que questões e pressões alheias ao direito afastem ou amenizem a incidência de normas jurídicas.

O costume pode servir como valor de decisão, como já positivado no nosso sistema; mas apenas é lícito considerá-lo se lícito o próprio costume.

O costume com a corrupção, com a pessoalidade, com a imoralidade, com ações arbitrárias não é costume. Ao menos não no sentido técnico jurídico. É patologia; e patologia passível de correção que imponha, como neste caso, a reafirmação das leis, que acabam sendo o mínimo ético exigível de todos, com mais razão, de homens públicos.

Os que se submetem ao plexo de atribuições públicas, são servidores. Exercem funções. E exercício de função não é mais que o dever de se desincumbir de todas as obrigações que lhe foram impostas pela norma que lhe atribuiu competência.

É dever de retidão ética, de atuação proba, de respeito aos limites impostos pela própria função.

A Ação Penal nº 470 é o primeiro passo rumo a Roma de 60 a.C., quando Júlio César condenou sua esposa Pompéia por ter gerado em Clódio o desejo de com ela se engraçar.

Assim como no fundamento da decisão de César, não basta ao homem público que seja honrado; é preciso que sequer seja suspeito. Mas esse julgamento apenas nós, o povo, somos legitimados a fazer.

Que venham agora as urnas…

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo, Professor de Direito Público na UFG, Professor de Direito Administrativo na Escola Superior da Advocacia, membro do Centro de Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico da USP e Promotor de Justiça.