A Constituição de 1988 e o apogeu do Ministério Público

Não é novidade para nenhum muitos que, principalmente a partir da Constituição de 64 o Ministério Público viveu uma fase de engrandecimento de prerrogativas, especialmente por ser, naquela quadra da história, o braço institucional do regime.

Naquele mesmo ano de 64, as ideias de Chiovenda sobre Ministério Público aportam no Brasil e aqui foi disseminada por Liebman.

Dentre essas ideais estão as de que o Ministério Público teria como principais funções velar pelas leis, pela administração da justiça, bem como defender os interesses dos incapazes.

Tudo isso desbordou no Anteprojeto Buzaid, que, quase dez anos depois, em 1973, acabou estampado no artigo 82 do CPC, que determina a atuação do Ministério Público quando houver interesse público evidenciado pela NATUREZA DA LIDE ou QUALIDADE DA PARTE.
Isso tudo, em fase anterior à Constituição que neste mês de outubro celebrou suas bodas de prata.

Defender o INTERESSE PÚBLICO acaba trazendo ao Ministério Público atribuições até então inimagináveis para uma instituição que exercia marcadamente funções penais.

Mais que isso, como bem lembra o Prof. Rogério Arantes, o fato de o CPC dizer que o Ministério Público atuaria na defesa do INTERESSE PÚBLICO era o que os membros precisavam para hastear a bandeira da desvinculação dos “Poderes” do Estado.
 
Com isso nasce a busca da autonomia, da independência.

Em 1977, no Pacote de Abril, estabelece-se a necessidade de organização dos Ministérios Públicos dos Estados.

Antes da primeira Lei Orgânica surge a LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, que além de reconhecer juridicamente o primeiro direito difuso – o meio ambiente, previu uma nova forma de tutela, a ação de responsabilidade civil, cuja titularidade era exclusiva do MINISTÉRIO PÚBLICO.
 
Logo os membros da instituição trataram de apelidar esse novo instrumento de AÇÃO CIVIL PÚBLICA, fazendo clara referência à ação penal pública.

A LC 40, decorrente do PACOTE DE ABRIL, e publicada no mesmo ano da LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, surgida 3 meses depois dessa, para além de para além de DEFINIR o MP e fixar seus PRINCÍPIOS – algo muito próximo ao que encontramos no texto constitucional 7 anos depois – fez a previsão da possibilidade de o MP ajuizar ações civis públicas nos termos da lei, já valendo-se na nomenclatura que utilizamos até hoje.
 
Em 1982 acontece na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco o 1º Seminário Brasileiro sobre Interesses Difusos, coordenado pela Prof. Ada Pelegrini Grinover.
 
A Prof. Ada, juntamente com Barbosa Moreira, era a principal replicadora no Brasil das ideias contidas em um artigo de CAPPELLETI, publicado em 1975, denominado Formazioni Sociali e Interessi di Gruppo Davanti alla Giustizia.

Neste artigo o processualista italiano demonstra que o Direito Processual passa por grande transformação, que os meios de tutela individuais são ineficazes e propõe medidas coletivas.
 
Sustentava que permitir que os próprios lesados manejassem instrumentos coletivos era uma solução sofrível, apenas não pior que outorgar esses instrumentos ao Ministério Público, pois, segundo ele, Promotores eram incapazes tecnicamente, por falta de conhecimento específico, além de atrelados ao Executivo, contumaz violador de direitos dos cidadãos.

Naquele 1º Seminário, a Prof. Ada defendia, portanto, a criação no Brasil do ombudsman especificamente para a tutela de direitos coletivos.

No final daquele Seminário, instalou-se uma comissão de juristas formada pela Prof. Ada, por Cândido Rangel e por Kazuo Watanabe para a confecção do anteprojeto da lei de tutela dos interesses de massa.

O anteprojeto foi apresentado em 1983.
 
Houve, obviamente, pronta reação da turma do Ministério Público, encabeçada pelo Prof. Nelson Nery, acompanhado de Édis Milaré e Camargo Ferraz, que, aproveitando do esqueleto do anteprojeto da comissão de juristas da USP, fez modificações incisivas e energizou ainda mais o Ministério Público.

Este anteprojeto foi apresentado em 84 pelo então presidente da CONAMP, Luiz Antônio Fleury Filho ao Ministro da Justiça de Figueiredo.
 
O projeto do MP tramitou mais rapidamente e, em julho de 85 a Lei de Ação Civil Pública é sancionada.

A partir dali o Ministério Público passa a estar municiado não apenas com a Ação Civil Pública, mas com um instrumento sem correspondente no Direito Comparado, o Inquérito Civil Público, de sua titularidade exclusiva.
 
Faltava ainda, para que o sistema teórico fosse completo, que o Ministério Público tivesse independência dos Poderes do Estado.

Essa independência surge em 88, decorrente do trabalho incessante dos membros da instituição, desde a Carta de Curitiba, saída do VI Congresso Nacional do Ministério Público.

Fato é que a partir de 88 temos as três inovações normativas – Ação Civil Público, NORMATIZAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS e INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL, além de um forte voluntarismo político , que marca a instituição a partir dali.

Na sequência, sucedem vários diplomas que pintam novas atribuições no quadro geral de atuação do Ministério Público na tutela de interesses transindividuais. Tudo isso cabe na fase que denominamos ANABÓLICA, surgida na década de 60 e que perdura ainda hoje.

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro, Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela USP, membro do Centro de Estudos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico da USP, Professor e Promotor de Justiça.