A contagem dos prazos na recuperação judicial ocorre em dias corridos ou úteis? Materiais ou processuais?

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    Desde a sua criação e vigência (esta em 09 de junho de 2005), a Lei de Falências e Recuperação de Empresas, de número 11.101/05, e até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, os julgadores vinham aplicando nos processos atinentes a contagem de prazos em dias corridos, até mesmo porque era a única forma prevista na própria Lei de regência. O então vigente Código de Processo Civil de 1973 somente era aplicável às disposições da Lei nº 11.101/05, na ausência de dispositivos específicos desta, e “quando couber”. Porém, com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, que modificou a forma de contagem dos prazos, instituindo a contagem em dias úteis,  instalou-se, em princípio, uma celeuma no mundo jurídico, abrangendo não somente os doutrinadores como também os julgadores, sendo que uns adotaram as novas regras impostos pelo CPC/2015, e outros permaneceram aplicando as regras próprias da LFRE, ou seja, de prazos corridos. A par desta celeuma e para incrementá-la, questões de se saber se determinado prazo era de natureza material ou processual, também apimentava as discussões, pois, a depender dessa natureza, os prazos ou eram contados em dias úteis ou em dias corridos.

    Nada obstante a existência de discussões e divergências de pensamentos entre outros dispositivos da Lei nº 11.101/05, duas questões foram alvos dos maiores embates, sendo elas (i) quanto à forma de se aplicar a contagem de prazos e (ii) se saber se a sua natureza era de ordem material ou processual. A primeira trata-se da suspensão dos prazos das ações e execuções contra a recuperanda, prevista no art. 6º, § 4º da Lei de regência, fixado em 180 (cento e oitenta) dias (stay period); enquanto que a segunda se refere à apresentação do plano de recuperação judicial fixada em 60 dias após a publicação do deferimento do processamento da recuperação judicial, prevista no art. 53. Pondo fim definitivamente às questões, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, STJ, em julgamento da sua Terceira Turma, com Acórdão publicado no último dia 24.05.2019, no Recurso Especial nº 1698283/GO, em que é relator o eminente ministro Marco Aurélio Bellizze, decidiu da seguinte maneira, conforme a íntegra da ementa que abaixo transcrevemos:

    RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À FORMA DE CONTAGEM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005 (STAY PERIOD), SE CONTÍNUA OU SE EM DIAS ÚTEIS, EM RAZÃO DO ADVENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI ADJETIVA CIVIL À LRF APENAS NAQUILO QUE FOR COMPATÍVEL COM AS SUA PARTICULARIDADES, NO CASO, COM A SUA UNIDADE LÓGICO-TEMPORAL. PRAZO MATERIAL. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que inovou a forma de contagem dos prazos processuais em dias úteis, adveio intenso debate no âmbito acadêmico e doutrinário, seguido da prolação de decisões díspares nas instâncias ordinárias, quanto à forma de contagem dos prazos previstos na Lei de Recuperações e Falência  destacadamente acerca do lapso de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão das ações executivas e de cobrança contra a recuperanda, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005.

    1. Dos regramentos legais (arts. 219 CPC/2015, c.c 1.046, § 2º, e 189 da Lei n. 11.101/2005), ressai claro que o Código de Processo Civil, notadamente quanto à forma de contagem em dias úteis, somente se aplicará aos prazos previstos na Lei n. 11.101/2005 que se revistam da qualidade de processual. 2.1 Sem olvidar a dificuldade, de ordem prática, de se identificar a natureza de determinado prazo, se material ou processual, cuja determinação não se despoja, ao menos integralmente, de algum grau de subjetivismo, este é o critério legal imposto ao intérprete do qual ele não se pode apartar.

    2.2 A aplicação do CPC/2015, no que se insere a forma de contagem em dias úteis dos prazos processuais previstos em leis especiais, somente se afigura possível “no que couber”; naquilo que não refugir de suas particularidades inerentes. Em outras palavras, a aplicação subsidiária do CPC/2015, quanto à forma de contagem em dias úteis do prazos processuais previstos na Lei n. 11.101/2005, apenas se mostra admissível se não contrariar a lógica temporal estabelecida na lei especial em comento. 2.3 Em resumo, constituem requisitos necessários à aplicação subsidiária do CPC/2015, no que tange à forma de contagem em dias úteis nos prazos estabelecidos na LRF, simultaneamente: primeiro, se tratar de prazo processual; e segundo, não contrariar a lógica temporal estabelecida na Lei n. 11.101/2005. 3. A Lei n. 11.101/2005, ao erigir o microssistema recuperacional e falimentar, estabeleceu, a par dos institutos e das finalidades que lhe são próprios, o modo e o ritmo pelo qual se desenvolvem os atos destinados à liquidação dos ativos do devedor, no caso da falência, e ao soerguimento econômico da empresa em crise financeira, na recuperação. 4. O sistema de prazos adotado pelo legislador especial guarda, em si, uma lógica temporal a qual se encontram submetidos todos os atos a serem praticados e desenvolvidos no bojo do processo recuperacional ou falimentar, bem como os efeitos que deles dimanam que, não raras às vezes, repercutem inclusive fora do processo e na esfera jurídica de quem sequer é parte. 4.1 Essa lógica adotada pelo legislador especial pode ser claramente percebida na fixação do prazo sob comento  o stay period, previsto no art. 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005 , em relação a qual gravitam praticamente todos os demais atos subsequentes a serem realizados na recuperação judicial, assumindo, pois, papel estruturante, indiscutivelmente. Revela, de modo inequívoco, a necessidade de se impor celeridade e efetividade ao processo de recuperação judicial, notadamente pelo cenário de incertezas quanto à solvibilidade e à recuperabilidade da empresa devedora e pelo sacrifício imposto aos credores, com o propósito de minorar prejuízos já concretizados. 5. Nesse período de blindagem legal, devedor e credores realizam, no âmbito do processo recuperacional, uma série de atos voltados à consecução da assembleia geral de credores, a fim de propiciar a votação e aprovação do plano de recuperação apresentado pelo devedor, com posterior homologação judicial. Esses atos, em específico, ainda que desenvolvidos no bojo do processo recuperacional, referem-se diretamente à relação material de liquidação, constituindo verdadeiro exercício de direitos (atrelados à relação creditícia subjacente), destinado a equacionar os interesses contrapostos decorrente do inadimplemento das obrigações estabelecidas, individualmente, entre a devedora e cada um de seus credores. 5.1 Ainda que a presente controvérsia se restrinja ao stay period, por se tratar de prazo estrutural ao processo recuperacional, de suma relevância consignar que os prazos diretamente a ele adstritos devem seguir a mesma forma de contagem, seja porque ostentam a natureza material, seja porque se afigura impositivo alinhar o curso do processo recuperacional, que se almeja ser célere e efetivo, com o período de blindagem legal, segundo a lógica temporal impressa na Lei n. 11.101/2005. 5.2 Tem-se, assim, que os correlatos prazos possuem, em verdade, natureza material, o que se revela suficiente, por si, para afastar a incidência do CPC/2015, no tocante à forma de contagem em dias úteis. 6. Não se pode conceber, assim, que o prazo do stay period, previsto no art. no art. 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005, seja alterado, por interpretação extensiva, em virtude da superveniência de lei geral adjetiva civil, no caso, o CPC/2015, que passou a contar os prazos processuais em dias úteis, primeiro porque a modificação legislativa passa completamente ao largo da necessidade de se observar a unidade lógico-temporal estabelecida na lei especial; e, segundo (e não menos importante), porque de prazo processual não se trata com a vênia de autorizadas vozes que compreendem de modo diverso.7. Recurso especial provido” (grifamos).

    Pela clareza exposta na ementa, e por ser o STJ a última instância para conhecer e julgar questões infraconstitucionais, como é o caso da Lei em comento,  doravante, dúvida nenhuma mais existirá quanto à forma de contagem dos prazos na LFRE, que é em dias corridos, e quanto à natureza dos mesmos que é material. E não somente ambas as questões acima referidas que assim devem ser observadas, mas, segundo o Ministro Marco Aurélio Beliizze, é “de suma relevância consignar que os prazos diretamente a ele adstritos devem seguir a mesma forma de contagem, seja porque ostentam a natureza material, seja porque se afigura impositivo alinhar o curso do processo recuperacional, que se almeja ser célere e efetivo, com o período de blindagem legal, segundo a lógica temporal impressa na Lei n. 11.101/2005. E, é claro, fazendo coro ao eminente Ministro, “…com a vênia de autorizadas vozes que compreendem de modo diverso.