A recuperação judicial e os créditos decorrentes do fornecimento de energia elétrica

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    Quais os créditos que se submetem aos efeitos da recuperação judicial? Em que momento se sabe se este ou aquele crédito, além de submeter-se aos citados efeitos, pertencerá a qual classe de credores? E se a origem desses créditos permite ao julgador entendê-la como um bem essencial ao desenvolvimento da atividade empresarial?

    A LFRE, de número 11.101/05, diz, com muita clareza, em seu artigo 49, que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. Quanto à sua classificação, dependerá da sua natureza, mas ou será (i) trabalhista ou decorrente de acidente de trabalho; ou (ii) com garantia real; ou (iii) quirografário; e, ou (iv) micro e pequeno empresários. Porém, quanto à essencialidade do bem que deu origem ao crédito, o que entendemos ser de critério objetivo, dependerá de uma análise do julgador.

    Por exemplo, um crédito de energia elétrica pode ser submetido aos efeitos de uma recuperação judicial, independentemente do momento de sua constituição (antes e mesmo depois do deferimento do processamento da recuperação judicial?). Situação semelhante foi enfrentada pela Digna 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, no  Agravo de Instrumento  5159052-57.2019.8.09.0000, cujo Relator foi o eminente Desembargador CARLOS ALBERTO FRANÇA, julgado em 03/06/2019, DJe  de 03/06/2019, cuja ementa transcrevemos na íntegra, a seguir:

    “Agravo de Instrumento. Recuperação judicial. Requisitos do artigo 300, do CPC. I. A tutela de urgência será concedida se observados, concomitantemente, os requisitos do artigo 300, caput, do Código de Processo Civil, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. II. Interrupção no fornecimento de energia elétrica. Possibilidade. Sociedades empresárias em recuperação judicial. Diferenciação entre débitos anteriores à recuperação e aqueles posteriores ao pedido. Em se tratando de fornecimento de energia elétrica, o momento da formação do crédito deve ser considerado quando da “medição” do montante devido pelo usuário, com consequente emissão da fatura. In casu, os créditos sujeitos ao regime especial da recuperação judicial são, tão somente, aqueles referentes às faturas vencidas anteriormente ao pedido de recuperação, os quais, acertadamente, não autorizam a suspensão ou interrupção do fornecimento de energia elétrica, em observância ao aludido princípio da preservação da empresa. Entretanto, tratando-se de serviço prestado durante o processo recuperacional, é permitida a suspensão em razão da inadimplência, nos termos do art. 172, inciso I, da Resolução nº 414/2010 da ANEEL, o que não se altera nem pela alegação de essencialidade do serviço e nem pela situação de recuperação judicial da devedora. Agravo de instrumento conhecido e provido em parte”. (grifos nossos).

    Com maestria, o nobre Desembargador Carlos Alberto França decidiu que os créditos constituídos anteriormente ao pedido de recuperação judicial é que se submeteriam aos efeitos do processo; entretanto, quanto aos demais créditos em discussão, ou seja, aqueles constituídos após o respectivo ajuizamento, a sua sorte seria outra, a de submeterem-se a todos os efeitos do procedimento. Muito interessante foi a observação efetuada pelo digno Desembargador quanto ao efetivo momento da constituição do crédito, para separar-se os anteriores e os posteriores ao ajuizamento da ação de recuperação judicial, ou seja, o “medição”. De outro lado, a alegada essencialidade da prestação de serviços de energia elétrica à recuperanda, foi desmontada pelo Ilustre Desembargador, ao aplicar no caso a Resolução número 414/2010 da ANEEL, vez que tais serviços são prestados durante o desenrolar da recuperação judicial e, diante da inadimplência, admite-se a suspensão.