Novo Código Eleitoral e a quarentena para juízes e militares

*Marina Morais

As reformas eleitorais são comuns em anos ímpares, buscando aperfeiçoar as normas que regerão o pleito seguinte. Esse ano, todavia, tem-se a mais robusta delas: a redação de um Novo Código Eleitoral. A legislação até o momento era descentralizada, espalhada entre a Lei das Eleições, Lei dos Partidos Políticos, Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, Lei das Inelegibilidades, dentre outros. E por isso o desiderato legislativo desse ano era duplo: aglutinar essas normas em um Código (que acabou se transformando em um projeto de 371 páginas e 905 artigos) e incluir novos dispositivos aptos a melhorar a logística normativa eleitoral.

O texto já seguia com alguns temas polêmicos, como a limitação de divulgação de pesquisas eleitorais até a antevéspera do pleito e a ampliação das possibilidades de gastos do Fundo Partidário, e, no dia 25, recebeu mais um dispositivo digno de atenção.

O Código, que absorveu também a disciplina das Inelegibilidades da Lei Complementar n° 64/90, inseriu em seu artigo 181, XIV e parágrafos, a inelegibilidade dos magistrados ou membros do Ministério Público que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até 5 nos anteriores ao pleito.

A regra temporal também valerá para os militares da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e servidores integrantes das guardas municipais, das Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, bem como os das Polícias Civis.

Caso seja aprovado e sancionado até outubro deste ano, o novo dispositivo impediria a candidatura do ex-juiz e ex-Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de milhares de outros pretensos candidatos que também se encaixam na norma.

Em 2018, o número de candidatos militares cresceu 113% e mais de 70 candidatos com patente foram eleitos no país. O número não é irrisório e reflete uma tendência considerável naquele pleito. Neste ponto, a restrição pode parecer uma via precipitada, antecipando um problema que poderia ser solucionado com a simples rejeição nas urnas, ou mesmo com a manutenção, a depender do quão representativos tenham sido esses mandatos.

Por outro lado, no que tange aos egressos das carreiras de magistratura e Ministério Público, a medida parece adequada e bem-vinda.

A separação dos poderes é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito. Os poderes, independentes e harmônicos, tem funções diversas e complementares. Ao passo em que o Legislativo representa o povo, e, por isso, frequentemente toma decisões de modo a contemplar a maioria, ao Judiciário cabe decidir de forma contramajoritária, contemplando os direitos das minorias. É por isso, inclusive, que os cargos legislativos são eletivos e periodicamente renovados, ao passo em que o Judiciário goza de estabilidade: para que se sinta seguro a proteger direitos fundamentais – ainda que não amparados pelo gosto da maioria. A iminência da possibilidade de uma candidatura, por sua vez, pode conspurcar esse ideal, curvando a atuação Judicial a um aval popular do qual não precisa e nem deve precisar.

Ainda devemos aguardar questionamentos sobre o texto, em especial porque, da forma como redigido, o dispositivo acabaria por abarcar situações passadas, cabendo aqui uma discussão sobre a modulação dos efeitos. Caso isso aconteça, poderemos ver como o Judiciário enfrentará a constitucionalidade da matéria, objeto de uma lei editada pelo Legislativo. Cada Poder em sua função típica – e isso é lindo.

*Marina Morais é advogada, coordenadora da Subcomissão de Estudos Eleitorais da OAB-GO