A reforma trabalhista e a legalização da terceirização na atividade fim

*Mariana Lima Gonçalves

INTRODUÇÃO

A reforma Trabalhista, pautada na Lei 13.467 de 2017, trouxe ao mundo jurídico importantes e significativas mudanças para a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instrumento de regulamentação das relações individuais e coletivas, sancionada em 1º de maio de 1943 pelo Decreto-lei nº 5.452, com o intuito de analisar e regular as necessidades de proteção do trabalhador, assim como a defesa de seus direitos.

O dinamismo e a evolução das relações sociais, ao longo dos anos, deram ensejo a relevantes flexibilizações das normas aplicadas ao Direito do Trabalho, tendo em vista que a atual realidade social do país não mais condizia com o caráter burocrático e limitado da legislação trabalhista de 1943, dando ensejo a uma necessária e urgente personificação, bem como desenvolvimento desta legislação.

Neste sentido, um dos interessantes e polêmicos assuntos trazidos com a reforma foi a legalização da terceirização da mão de obra como atividade-fim, no sentido de permitir que os contratos, independentemente se destinados a setores relacionados atividade fim da tomadora, tenham licitude, tese anteriormente considerada ilícita pelo Colendo TST (inciso III, da Súmula 331).

O tema sempre causou polêmica entre os juristas trabalhistas, que se dividiam entre aqueles que entendem que a terceirização é uma forma de “precarização” dos direitos do trabalhador e, para outros, um meio de modernização das relações de trabalho e do processo produtivo[1], em boa hora, regulamentada pela Reforma Trabalhista.

Diante da problemática posta, o presente artigo tem como principal objetivo, discutir as consequências das inovações legislativas trazidas pela Lei 13.429 e 13.427, ambas de 2017, especialmente no que tange legalização da terceirização da atividade-fim.

  1. II) PAPEL HISTÓRICO DA REFORMA TRABALHISTA COMO FORMA DE FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL.

A formação do Direito do Trabalho brasileiro foi fortemente marcada por intervenções estatais, especialmente após a chamada Revolução de 1930, com a instauração do modelo corporativista no Brasil, criação do Ministério do Trabalho, Industria e Comércio, com o intuito de intermediar as negociações coletivas e individuais entre empregadores e empregados[2].

A partir deste período, foram criadas as primeiras normas e direitos trabalhistas, tendo sua normatização consolidada em 1º de maio de 1943, através do Decreto Lei n.º 5451, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, unificando a legislação existente até então.

Com a Constituição Federal de 1988, que buscou enfatizar os direitos e garantias fundamentais, o direito social do trabalhador ganhou enfoque, ante a extrema necessidade de sua regulamentação e proteção. Citamos aqui, o art. 170 da Constituição Federal:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; (…); VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego”. [3]

Diante da situação e da realidade encontrados à época, se fez imprescindível a regulamentação das relações de trabalho, fortalecendo a classe operária, principalmente em seus aspectos sociais, resultado de grande luta do proletariado.

Ao longo dos anos, outros direitos foram incorporados ao conjunto de leis trabalhistas, no entanto, mister se faz mencionar que a ausência de uma revisão abrangente das normas, o escopo para novos arranjos e implementações que garantem uma evolução e, consequente flexibilização para o mercado laboral, restou prejudicado.

Cumpre esclarecer que a economia brasileira e as relações sociais foram profundamente modificadas nas últimas décadas, cita-se como exemplo a o processo de urbanização, concentrando vasto contingente populacional nas grandes cidades brasileiras, aumento substancial da importância do setor dos serviços que fomentam a economia, maior autonomia as partes para estabelecerem relações contratuais de prestação de serviço, dentre várias outras situações.

Fato é que, os padrões rígidos da legislação trabalhista pré-reforma, não acompanhavam a evolução das relações sociais, prejudicando grandemente a atividade empresarial no Brasil, o que tornou imprescindível e urgente a reanálise da legislação, fomentando a Reforma Trabalhista.

Para Sérgio Pinto Martins, “a flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho”.[4]

Segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins Filho, ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho, a Reforma Trabalhista surge como um instrumento para a flexibilização das regras relativas ao Direito do Trabalho, com o intuito de diminuir as taxas de emprego, flexibilizando os direitos sociais, atraindo assim, mais investidores e, consequentemente, mais oportunidades de emprego, fomentando a economia do país.[5]

Importante mencionar que a Reforma Trabalhista trouxe, como um dos pontos principais, a introdução do art. 611-A na CLT, que dispõe sobre a supremacia dos acordos coletivos sobre a lei, com o intuito de flexibilizar alguns dispositivos, prevalecendo o negociado sobre o legislado, diminuindo o protecionismo exagerado, senão veja-se:

“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.”[6]

As modificações trazidas pela reforma são inúmeras, não sendo possível esgotar em poucas linhas todas as peculiaridades, benefícios, malefícios e divergências, tampouco repassar todas as suas possíveis consequências, entretanto, é necessário observar que a nova normatização nos traz uma flexibilização das regras, fomentando a negociação entre empregado e empregador, através da livre manifestação da vontade individual ou coletiva, como meio de regulação das relações de trabalho.

O professor da Universidade de São Paulo (USP), Hélio Zylberstajn, em entrevista a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FECOMERCIOSP), ressaltou que um dos principais pontos da Reforma Trabalhista foi o benefício trazido para a economia do país:

“É importante dizer que a reforma não está sendo feita para criar empregos. Para criar empregos, precisamos investir e voltar a crescer. O que a Reforma Trabalhista vai fazer é tirar inúmeras incertezas e diminuir a insegurança jurídica, e isso vai contribuir para uma melhor fluidez do mercado de trabalho.”[7]

O professor ressalta ainda, que os principais pontos trazidos pela Lei foram a prevalência da negociação entre as partes, sobrepondo a legislação, eis que antes, a Justiça do Trabalho era a responsável por mediar todas as questões, bem como o reconhecimento concreto do conflito e a negociação dos problemas.[8]

Inobstante os vários impactos positivos das inovações trazidas, é imperioso destacar a necessidade da manutenção da saúde da sociedade brasileira através da preservação dos direitos absolutos e universais do trabalhador, salientando que a implementação da nova norma não condiz com a simples redução de direitos, mas sim com uma flexibilização, que deve ser adotada de maneira criteriosa, buscando a harmonia de interesses das partes.

Nesse sentido, esclarece Amauri Mascaro Nascimento:

“(…) os sistemas legais devem ter regras indisponíveis que estabeleçam um mínimo de proteção a todos os trabalhadores, abaixo do qual não se concebe a dignidade do ser humano, e devem abrir espaço para a complementação do piso protetor irrenunciável ou para flexibilizar a aplicação das normas gerais de nível superior, mediante negociação coletiva, isto é com a participação dos correspondentes sindicatos, aos quais cumpre assegurar a liberdade sindical”.[9]

Fato é que, a Reforma Trabalhista trouxe grandes modificações nas relações de emprego, modalidades de contratações e até mesmo na quantidade de processos que tramitam pelos tribunais do trabalho, no entanto, muito ainda deverá ser discutido e sedimentado pelo judiciário trabalhista, pois a Lei ainda não traz a segurança jurídica necessária, o que condiciona a efetividade de tais mudanças.

III) A LEGALIZAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM.

Inicialmente, imprescindível se faz conceituar a modalidade de contratação denominada de terceirização, que nada mais é do que o ato no qual uma empresa contrata serviços especializados através de outra empresa, salientando que não existe vínculo de emprego entre a empresa tomadora de serviços e os profissionais especializados.

Cumpre esclarecer que, antes do advento da Lei 13.429/2017, a terceirização somente era permitida para contratação de funcionários responsáveis pela execução de atividades-meio, ou seja, atividades secundárias, tais como limpeza e manutenção.

O aludido regramento era respaldado pela Súmula 331 do TST, não havendo nenhuma regulamentação na Consolidação das Leis do Trabalho acerca da terceirização. Nesse sentido, trazemos o texto da referida normatização:

“SÚMULA 331 DO TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações da terceirização trabalhista, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.[10]

Com a Reforma Trabalhista, a normatização que definia tal modalidade de contratação ficou definida pela seguinte redação:

“Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.[11]

Ademais, a Lei 13.429/2017 acrescentou ainda, o art. 4º-B na legislação referente ao trabalho temporário, ratificando assim, que atividades principais e as atividades secundárias não mais se distinguem, para fins de terceirização, além de regulamentar requisitos mínimos para que uma empresa possa ofertar tal modalidade de contratação.

“Art. 4º-B. São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros:

I – prova de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);

II – registro na Junta Comercial;

III – capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros:

  1. a) empresas com até dez empregados – capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
  2. b) empresas com mais de dez e até vinte empregados – capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais);
  3. c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados – capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais);
  4. d) empresas com mais de cinquenta e até cem empregados – capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e
  5. e) empresas com mais de cem empregados – capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).”[12]

No entanto, é importante salientar que várias são as peculiaridades e requisitos a serem observados para a contratação efetiva de prestação de serviços terceirizado, devendo tais contratados trabalharem em iguais condições aos empregados no que tange à alimentação, atendimento médico ou ambulatorial nas dependências da empresa contratante, condições sanitárias, medidas de proteção à saúde e segurança, assim como adequadas instalações.

Vale lembrar que, em que pese não tenha vínculo de emprego e subordinação com os empregados terceirizados, a empresa tomadora de serviços possui responsabilidade subsidiária, devendo arcar com eventuais passivos trabalhistas, caso a empresa prestadora não tenha condições.

Imprescindível mencionar, a extrema necessidade da formalização da contratação por escrito, com a consequente especificação dos serviços a serem prestados, prazo, obrigações e direitos das partes, formas de rescisão, penalidades, dentre outros requisitos específicos, que podem variar de acordo com cada tipo de contratação.

Salienta-se também, a extrema necessidade da empresa Contratante em atentar-se a legislação, no tocante a capacidade econômica da prestadora dos serviços a terceiros, que é requisito de validade do contrato, conforme redação do art. “Art. 4º-A.

“Uma das principais precauções a ser observada pela empresa Contratante dos serviços é a aferição quanto à capacidade econômica da EPS, que deve ser compatível com a execução do contrato, tanto no momento da contratação, como durante a vigência e execução do contrato[13].

É incontestável que a Reforma Trabalhista foi excepcionalmente bem recebida no meio empresarial, tendo em vista que a terceirização das atividades da empresa busca agilizar e flexibilizar o procedimento de contratação, não existindo vínculo direto com o profissional, dispensando processos seletivos rigorosos e com possibilidade de se obter mão de obra particularizada para o determinado ramo de atuação.

Alice Monteiro Barros nos repassa um conceito interessante, conforme abaixo se expõe:

“Teoricamente, o objetivo da terceirização é diminuir os custos e melhorar a qualidade do produto ou do serviço. Alguns especialistas denominam esse processo de “especialização flexível”, ou seja, aparecem empresas, com acentuado grau de especialização em determinado tipo de produção, mas com capacidade para atender a mudanças de pedidos de seus clientes”.[14]

Da mesma maneira, é cediço que a empresa consegue reduzir substancialmente seus custos para esse modelo de contratação, tanto em relação a investimento (produtos e máquinas), assim como por não existir o ônus dos encargos trabalhistas oriundos de uma contratação direta, ou seja, trata-se de decisão estratégica que busca modernizar as relações empresariais, atingindo a competitividade que a globalização exige.

Por outro lado, várias foram as críticas no que se refere ao Lei n.º 13.429/2017, salientando ser esta um grande exemplo da sucumbência do país a pressão do capitalismo, buscando rebaixar as condições e direitos do trabalhador, através da precarização de mão de obra, o que enseja grandes prejuízos para a classe.

Nas palavras do DIEESE:

“A adoção da terceirização de forma indiscriminada, no Brasil e no mundo, tem sido olhada de forma crítica. Em alguns casos, o processo tem sido até mesmo revertido por algumas empresas, por afetar a qualidade dos produtos e serviços e fragmentar excessivamente os processos produtivos, levando, inclusive, à queda na produtividade. Portanto, a regulamentação irrestrita da terceirização, baseada somente numa visão de curto prazo, não apenas penaliza o trabalhador, como também pode comprometer o desempenho das empresas, em longo prazo”.[15]

Muito se fala que os empregados terceirizados acabam trabalhando em jornadas maiores, possuem menos benefícios, trabalham em ambientes mais nocivos à saúde, além da majoração da alta rotatividade dos contratos de trabalho, o que causa grande insegurança quanto a manutenção dos seus empregos.

Outro discurso muito comum para os críticos da terceirização, é quanto à denominada “pejotização”, ou seja, ato de se contratar funcionários como pessoas jurídicas, sendo a empresa dispensada de arcar com todos os encargos de um trabalhador celetista, buscando assim a redução de custos.

Fato é que, mesmo atualmente, o assunto ainda é bastante polêmico, permanecendo pontos positivos e negativos para tal modalidade de contratação, entretanto, é imperioso esclarecer que a terceirização implica em parceria, assim como na transparência para sua adoção, devendo as partes cumprirem com o real propósito acordado, sem o intuito de macular contratações forjadas ou desviar o propósito efetivo das inovações trazidas.

Em agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal se posicionou, considerando como lícita a terceirização de toda e qualquer atividade da empresa, sendo secundária ou principal, desde que mantida a responsabilidade subsidiária da contratante dos serviços em relação aos empregados na terceirização.

O RE 958.252 estabeleceu que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”[16]

Da mesma maneira, julgou procedente a ADPF 324, com a seguinte redação:

“ADPF 324 – I – É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada; II – A terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.”[17]

As Turmas do TST também têm se posicionado no mesmo sentido, utilizando os julgados do Supremo Tribunal Federal como “leading case”:

“AGRAVO. TERCEIRIZAÇÃODE SERVIÇOS. ATIVIDADE-FIM DE EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES TOMADORA DOS SERVIÇOS. LICITUDE. ADEQUAÇÃO AO PRECEDENTE FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF 324 E RE 958.252. Impõe-se confirmar a decisão monocrática que conheceu do recurso de revista interposto pela primeira reclamada e deu-lhe provimento para afastar o vínculo de emprego da reclamante com a tomadora (TIM Celular S.A.) e excluir da condenação a determinação de retificação da CTPS e as verbas decorrentes do reconhecimento do vínculo de emprego, declarando a responsabilidade subsidiária da terceira ré pelos títulos remanescentes da condenação, em adequação à jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal. Agravo a que se nega provimento”.[18]

“AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃODE SERVIÇOS. ATIVIDADE-FIM DE EMPRESA TOMADORA DOS SERVIÇOS. LICITUDE. ADEQUAÇÃO AO PRECEDENTE FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF 324 E RE 958.252. Impõe-se confirmar a decisão monocrática que conheceu dos recursos de revista interpostos pelas reclamadas e deu-lhes provimento para afastar o vínculo de emprego do reclamante com a tomadora de serviços, bem como para excluir as obrigações, as verbas e as vantagens decorrentes, em adequação à jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal. Agravo a que se nega provimento”.[19]

Imprescindível mencionar também a recente decisão de 15 de junho de 2020, que em julgamento virtual, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes as cinco ações propostas contra a Lei das Terceirizações, onde sete ministros acompanharam o voto do relator, Ministro Gilmar Mendes:[20]

“Ou  seja,  aqui  não  se  trata  de  optarmos  entre  um  modelo  de  trabalho formal  e  um  modelo  de  trabalho  informal,  mas  entre  um  modelo  com trabalho  e  outro  sem  trabalho;  entre  um  modelo  social  utópico,  como  tão frequentemente  nos  alertou  Roberto  Campos,  e  um  modelo  em  que  os ganhos sociais são contextualizados com a realidade”.[21]

Conforme observa-se nos julgados, em que pese exista a flexibilização das regras, bem como a autorização da terceirização para a atividade fim, é importante salientar que não há de se falar em ilegalidade, irresponsabilidade e abuso, tendo em vista que subsiste a responsabilidade solidária da empresa contratante, bem como a existência de vários requisitos a serem observados por esta.

 

III) CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Conforme exposto durante o presente artigo, através da Reforma Trabalhista, a possibilidade de terceirização da atividade fim passou a ser aceita como uma das modalidades de contratação no Brasil, observados os devidos requisitos e condições para sua adoção.

Entretanto, em que pese a aprovação da lei tenha se dado no ano de 2017, a divergência de opiniões ainda persistia, o que deu ensejo a amplas discussões nas relações entre trabalhadores e empresários, assim como no judiciário trabalhista, principalmente ante a vigência da súmula 331 do TST.

É inconteste que, diante das divergências jurisprudenciais, o setor empresarial padecia de grande insegurança jurídica quanto aos reais riscos da terceirização, especialmente quando relacionadas a atividade principal do empreendimento, circunstância agora pacificada após a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que pacificou a constitucionalidade da legislação sobre a terceirização.

Diante dos fatos expostos, é instigante que a referida súmula não tenha sido cancelada ou adaptada a nova legislação, tendo em vista que sua redação vai em confronto com o novo entendimento dado pela Reforma Trabalhista e ratificado pela jurisprudência.

Cumpre esclarecer que a a própria Lei 13.467/2017 impede o Tribunal Superior do Trabalho de adequar o novo entendimento trazido pela Reforma Trabalhista, tendo em vista a redação do art. 702 da CLT:

“Lei 13.467/2017. Art. 702, I, f Ao Tribunal Pleno compete, em única instância: Estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial”.[22]

Diante disso, a Comissão de Jurisprudências e Precedentes Normativos, cuja missão era justamente adaptar os enunciados às novas regras, identificou a incompatibilidade da atuação ante o art. 702, I, f, da nova CLT, requerendo, então, a declaração de inconstitucionalidade deste dispositivo.

Fato é que, até que o Supremo Tribunal Federal se posicione sobre o assunto, através da Ação Declaratória de Constitucionalidade 62, o Tribunal Superior do Trabalho não deverá se posicionar sobre a revogação da Súmula, com o intuito de evitar possíveis decisões divergentes entre a corte e o STF.[23]

Vale lembrar que a liberdade da contratação, assim como a flexibilização das regras, fruto da evolução social das relação de trabalho, busca como denominador final a especialização de serviços, majoração de produtividade, a redução de custos da empresa, com o intuito de fomentar as relações e trazer benefícios para as partes, trazendo a produtividade almejada.

Assim, faz-se imprescindível um olhar cada vez mais atento do empresário no que tange relativização das contratações, impondo a absorção de práticas laborativas pautadas na ética, cumprimento da legislação, transparência das relações de trabalho, assim como práticas voltadas a melhoria da gestão, prezando pelo cumprimento das regras atualmente estabelecidas.

*Mariana Lima Gonçalves é advogada, sócia do escritório Alencastro, Ferreira & Lima Advogados Associados S/S; Secretária Geral da Comissão de Direito Empresarial da OAB-GO; Especialista em Direito Imobiliário.

[1] ANDRADE JÚNIOR, G. J. Os impactos da Nova Lei de Terceirização. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64944/os-impactos-da-nova-lei-de-terceirizacao. Acesso em: junho 2020.

[2]   BARIFOUSE, R. Por que Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho em 1930. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46159747;

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

[4] Martins, Sergio Pinto ‘ Direito do trabalho / Sergio Pinto Martins. – 28. ed. – São Paulo: Atlas, 2012

[5] KREIN, GIMENEZ e SANTOS apud Ministro Ives Gandra Filho, 2018, p.57- 58)

[6] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Lei nº 13.467, de 13 de junho de 2017.

[7] FECOMÉRCIOSP. Reforma Trabalhista: especialistas debatem impacto das mudanças. Disponível em: <https://www.fecomercio.com.br/noticia/reforma-trabalhista-especialistas-debatem-impacto-das-mudancas).

[8] FECOMÉRCIOSP. Reforma Trabalhista: especialistas debatem impacto das mudanças. Disponível em: <https://www.fecomercio.com.br/noticia/reforma-trabalhista-especialistas-debatem-impacto-das-mudancas).

[9] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2014

[10] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 331. Disponível em http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html

[11] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Lei nº 13.467, de 13 de junho de 2017.

[12] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Lei nº 13.429, de 19 de junho de 2017.

[13] JOTA, por Raphael Miziara. Disponível em: <http://www.granadeiro.adv.br/clipping/2019/09/26/terceirizacao-a-capacidade-economica-da-empresa-prestadora-dos-servicos-essa-desconhecida>

[14] BARROS, Alice Monteiro. Direito do Trabalho. 2010, Ed. São Paulo: p. 357.

[15] DEPARTAMENTO SINDICAL DE ESTATÍSTICASA E ESTUDOS SOCIOLÓGICOS. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. Disponível em: < https://www.dieese.org.br/notatecnica/2017/notaTec172Terceirizacao.html>.

[16] Supremo Tribunal Federal. RE 958.252. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4952236>.

[17] Supremo Tribunal Federal. ADPF 324. Disponível em: https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/noticias/detalhe/trabalhista/terceirizacao/tst-tem-julgado-valida-terceirizacao-em-atividade-fim/

[18] TST – Ag-ARR: 14457620125030114, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 04/12/2019, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/12/2019. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/796244635/ag-arr-14457620125030114?ref=serp>.

[19] (TST – Ag-RR: 1576220125040471, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 05/02/2020, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/02/2020)

[20] Revista Consultor Jurídico. STF declara constitucional lei que permite terceirização de atividades-fim. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jun-16/stf-declara-constitucional-lei-permite-terceirizacao-atividades-fim.

[21] Revista Consultor Jurídico. STF declara constitucional lei que permite terceirização de atividades-fim. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/gm-lei-permite-terceirizacao-atividades.pdf.

[22] CARVALHO, Diego. Diego Carvalho Advocacia e Consultoria Jurídica. TST depende do Supremo para consolidar aplicação da reforma trabalhista. Disponível em: https://carvalhoadvocaciajuridica.jusbrasil.com.br/noticias/716188238/tst-depende-do-supremo-para-consolidar-aplicacao-da-reforma-trabalhista?ref=feed.

[23] CARVALHO, Diego. Diego Carvalho Advocacia e Consultoria Jurídica. TST depende do Supremo para consolidar aplicação da reforma trabalhista. Disponível em: https://carvalhoadvocaciajuridica.jusbrasil.com.br/noticias/716188238/tst-depende-do-supremo-para-consolidar-aplicacao-da-reforma-trabalhista?ref=feed.