Há 20 anos, Senado liberava uso de calça comprida para mulheres no Plenário

Senador Antônio Carlos Magalhães permitiu a entrada e permanência de mulheres com a vestimenta

A primeira vez que uma mulher teve permissão para usar calça comprida no Plenário do Senado foi há duas décadas. O uso do traje era proibido até 1997, quando um ato do então presidente, senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), permitiu a entrada e a permanência de mulheres com essa vestimenta. O uso também foi liberado nas salas das comissões, na sala do café dos senadores, na tribuna de honra e na bancada de imprensa.

Uma questão simples, mas que só foi resolvida há 20 anos, revela como ainda é recente a participação das mulheres na vida política do país. Eunice Michiles, a primeira senadora eleita do Brasil, assumiu o cargo em 1979. Na época não havia nem mesmo um banheiro feminino no Plenário. Atualmente, a Casa tem 13 senadoras.

Dentro do fusca

Ainda nos anos 70, quando trabalhava como jornalista, a senadora Ana Amélia (PP-RS) se destacou como a primeira mulher comentarista de economia no Rio Grande do Sul. Ao viajar para cobrir a Festa da Uva no interior foi informada que não poderia entrar no evento de calça comprida. Como havia levado um vestido, voltou para o carro e trocou a roupa ali mesmo, dentro de um fusca, protegida por um policial militar.

“Eu sou uma pessoa muito prática. Entre contestar uma regra que não ia ser mudada naquela hora e fazer o meu serviço, eu preferi trabalhar. Essa regra seria mudada posteriormente, mas mesmo no jornal onde eu trabalhava em Porto Alegre era proibido entrar de calça comprida”, relata.

No Senado, Ana Amélia é adepta dos elegantes conjuntos de calça social e blazer. Ela aponta o avanço mais rápido das mulheres nas carreiras de Estado, via concurso público, mas acredita que a maior participação na política é uma questão de mudança gradual da mentalidade.

“Os desgastes do processo político, os escândalos, inibem e afastam um pouco as mulheres, mas chegamos em 2010 a ter uma presidente da República eleita pela primeira vez na história do Brasil. Então, eu acho que isso é um passo a passo”, avalia.

Conquista

A Procuradoria Especial da Mulher no Senado é presidida por Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Para ela, os tempos da proibição da calça comprida ficaram para trás, mas demorou muito.

“A permissão tardia mostra o quanto a desigualdade de gênero foi e é naturalizada e precisa ser questionada, tanto nos poderes da República quanto em toda a sociedade. Cheguei à Câmara dos Deputados em 1998 e essa questão havia sido superada naquela Casa graças às precursoras da igualdade, como a deputada Ivete Vargas e ainda as componentes da Bancada do Batom, durante o período da Constituinte, quando eram apenas 25 deputadas e nenhuma senadora”, ressalta Vanessa.

Para a parlamentar, a existência da Procuradoria Especial da Mulher, ao debater os temas femininos, “é o melhor exemplo da conquista de um espaço que chame a atenção para esta e outras situações arbitrárias”.

“Aqui conquistamos apenas no ano passado o banheiro feminino no Plenário, veja só”,  destaca.

Igualdade

Na esteira das mudanças também foi criado o Comitê pela Promoção de Igualdade de Gênero do Senado, que aderiu em 2012 ao Programa Pró-Equidade da Secretaria de Política paras as Mulheres e já ganhou dois selos de boas práticas.

Maria Terezinha Nunes, gestora do programa, avalia que a proibição da calça comprida fez parte de uma cultura mais rígida, que determinava a vestimenta considerada adequada para o homem e para a mulher.

“A mobilização feminina ao longo dos últimos anos permitiu que esses padrões culturais fossem rediscutidos, e com isso a mulher foi se liberando”, observa Maria Terezinha.

Entre as ações do comitê está a garantia de igualdade na ocupação de cargos de destaque no Senado. Sem o problema da diferença salarial, o desafio é fazer com que as servidoras, que representam um terço dos ocupantes de função, também tenham acesso aos cargos mais altos. Essa readequação da força de trabalho passa pelo estímulo à participação das mulheres com a oferta dessas posições.

“Independente de terem filhos ou não, é preciso oferecer e deixar que elas decidam se aceitam o cargo. Às vezes você reproduz estereótipos sem sentir, como o de que as mulheres não podem se dedicar à vida profissional por causa da preocupação com a vida doméstica. Esse estereótipo sobre o que as mulheres podem fazer ou o que podem vestir traz prejuízos para elas”, constata.

A exigência do uso de vestido ou saia para o acesso ao Plenário retratava a cultura do país. O uso da calça comprida por mulheres, mesmo nas ruas, foi motivo de escândalo até meados do século passado.

Pela praticidade, a peça, antes considerada exclusiva do guarda-roupa masculino, agora está entre os trajes preferidos das mulheres no Senado.

“Se a gente deixar ao sabor do tempo, demora demais para as coisas acontecerem. Os movimentos feministas foram um impulso maravilhoso para desnaturalizar esses padrões rígidos. E essa cultura vai mudando, graças a Deus”, comemora Maria Terezinha.