TJGO cassa multa imposta a advogado que pediu suspensão de júri por não ter tido acesso aos autos

Wanessa Rodrigues

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) cassou decisão que multou um advogado em 100 salários mínimos, o equivalente a R$ 93,700 mil, por desistência de participação em júri. Contratado para defender um acusado de homicídio às vésperas do julgamento, Égonn Victor Lourenço Brasil não teve acesso ao processo e ficou impossibilitado de apresentar defesa técnica. O presidente do Tribunal do Júri, o juiz Eduardo Pio Mascarenhas da Silva, porém, entendeu como abandono processual e aplicou a penalidade, prevista no artigo 265 do Código de Processo Penal (CPC).

Em outubro de 2017, o advogado conseguiu liminar, dada pelo juiz Sival Guerra Pires, substituto em 2º grau, para suspender a exigibilidade da dívida. Posteriormente, o TJGO cassou a decisão que arbitrou a multa com base no voto do relator do caso, o desembargador Edison Miguel da Silva Júnior.

O advogado relata que, no dia 28 de setembro de 2017, foi procurado para atuar em um caso de homicídio qualificado após o defensor anterior renunciar. Ocorre que, no mesmo dia em que aceitou fazer a defesa do acusado, os autos subiram conclusos – fato que o privou de ter conhecimento dos fatos elencados no caderno processual. No dia seguinte, ele protocolou requerimento de redesignação de sessão plenária, pois o júri já estava marcado para o dia 03 de outubro. O pedido foi indeferido sob o argumento de que o advogado teve tempo suficiente para o estudo do caso.

Mesmo alheio ao conteúdo dos autos, Lourenço Brasil diz que compareceu à sessão plenária, junto com advogado substabelecido. Convictos da impossibilidade de apresentar a defesa técnica, informaram ao juiz presidente que declinariam dos trabalho perante o Tribunal do Júri, em virtude da escassez de tempo para elaborar a defesa e o desconhecimento dos autos. O magistrado, porém, indeferiu a postulação e arbitrou a multa.

A advogada Sara de Souza Brasil Rodrigues de Faria, que representou o advogado na ação, observa que, ao retirar do profissional em questão o direito de exercer seu ofício de forma livre, digna, cautelosa e responsável, o juiz não só feriu frontalmente a Lei nº 8.906/1994, a qual consagra a dignidade do advogado, declarando-o indispensável à administração da justiça, como também violou, manifestamente, os preceitos constitucionais do livre exercício da advocacia (art. 133, CF). Além de, sobretudo, determinar a aplicação de pena sem o devido processo legal e sem assegurar ao profissional o exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme artigo 5º, LIV e LV, da Carta Maior.

Previsão legal
Em seu voto, o desembargador salienta que, com base na conduta do advogado, nota-se que não houve o efetivo abandono processual. Ao contrário, por ter sido constituído pelo acusado poucos dias antes do julgamento, requereu adiamento da sessão de julgamento para melhor se instruir do caso. O magistrado ressalta que o artigo 265 do CPC somente prevê a aplicabilidade da multa se caracterizado o efetivo abandono do processo, sem prévia comunicação ao juiz. Ou seja, inexiste previsão legal para imposição da penalidade tão somente pelo não comparecimento ou recusa justificada em atuar no designado.

Além disso, o desembargador observa que ficou evidenciada a ofensa ao direito liquido e certo do advogado. Silva Júnior lembra que o artigo 456 do CPP, ao tratar do não comparecimento do defensor constituído do réu para sessão de julgamento e nomeado dativo ou defensor público, a nova sessão do júri somente poderá ser designada com intervalo mínimo de 10 dias. No caso, ainda que se trate de defensor constituído, houve renúncia do causídico anterior apenas cinco dias antes do julgamento. Ainda sim, a sessão do júri não foi adiada, desrespeitando o prazo estabelecido no referido dispositivo.