Garantia de emprego das gestantes em contratos por prazo determinado e a novíssima jurisprudência TST

Um tema que está sempre em evidência no dia a dia da advocacia – seja ela militante em favor de empregados ou empregadores – é a estabilidade da gestante. Uma temática sensível, que merece atenção constitucional mas que sempre tem detalhes e condições especiais a serem enfrentadas.

A questão foi tratada pelo art. 10, II, b do ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias) da Carta da República de 1988 e, de tão polêmico o tema, até hoje ainda é regulado de forma “provisória”. Polêmico em razão de diversas óticas: enquanto alguns seguem a máxima de que “gravidez não é doença” e defendem a ausência absoluta de proteção, outros pregam a “hipervulnerabilidade da gestante” (expressão cunhada pelo Professor Raphael Miziara em seu Dicionário de Direito do Trabalho) e postulam uma proteção ainda maior, mais extensa e mais completa. Por fim, há ainda aqueles que defendem sim a estabilidade de gestante e demais garantias legais – inclusive a extensão da licença maternidade, mas sob o manto estatal e não com a transmissão dos ônus aos empregadores. A partir daí entende-se o motivo de legislativamente ser tão complexo ajustar o entendimento legislativo para definir detalhes de estabilidade das gestantes.

De toda forma, o que resta expressamente previsto no texto constitucional é:

Art. 10/ADCT – Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

  1. b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

E o máximo que legislação infraconstitucional conseguiu caminhar foi com a polêmica redação do art. 391-A da CLT.

Art. 391-A/CLT.  A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Parágrafo único.  O disposto no caput deste artigo aplica-se ao empregado adotante ao qual tenha sido concedida guarda provisória para fins de adoção.

E, onde a legislação não caminha, a jurisprudência segue seu fluxo – é a ordem natural da República Federativa do Brasil. Já há tempos TST editou a Súmula n. 244 e estabeleceu um norte nas polêmicas e vácuos legais do assunto:

Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA

I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).

II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Mas, o assunto não se encerra. O Supremo Tribunal Federal enfrentou o tema da estabilidade da gestante no RE 629.053/SP, em 10/10/2018 e trouxe a seguinte ementa em tese firmada para fins de repercussão geral (aplicável compulsoriamente, portanto):

DIREITO À MATERNIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA DISPENSA ARBITRÁRIA DA GESTANTE. EXIGÊNCIA UNICAMENTE DA PRESENÇA DO REQUISITO BIOLÓGICO. GRAVIDEZ PREEXISTENTE À DISPENSA ARBITRÁRIA. MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA AOS HIPOSSUFICIENTES, VISANDO À CONCRETIZAÇÃO DA IGUALDADE SOCIAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, se caracterizando como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. 2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e, nos termos do inciso I do artigo 7º, o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante. 3. A proteção constitucional somente exige a presença do requisito biológico: gravidez preexistente a dispensa arbitrária, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação. 4. A proteção contra dispensa arbitrária da gestante caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável -; quanto da criança, permitindo a efetiva e integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego -, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador). 5. Recurso Extraordinário a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. (STF – RE: 629053 SP – SÃO PAULO, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 10/10/2018, Tribunal Pleno).

A partir daí passou-se a uma verdadeira celeuma interpretativa sobre uma questão absolutamente sensível: a estabilidade da gestante no contrato por prazo determinado. A questão é tão interessante que urge a SDI definir o tema de forma urgente.

Vejamos essa decisão publicada no último mês de setembro (DJE de 04/09/2020) da lavra do Ministro Agra Belmonte:

Recurso de Revista. ESTABILIDADE DA GESTANTE. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. 1. No caso, o Tribunal Regional fundamentou que a empregada gestante não tem direito à garantia provisória de emprego prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do ADCT, tendo em vista que a predeterminação do encerramento da relação empregatícia exclui, por si só, o reconhecimento da estabilidade que ultrapassar tal período. 2. A interpretação que deu origem à atual redação da Súmula 244, III, do TST decorre do estabelecido no art. 10, II, “b”, do ADCT/88, o qual dispõe ser vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo nenhuma restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho. 3. Desse modo, o único pressuposto à obtenção do direito à estabilidade (e à sua conversão em indenização, caso ultrapassado o período de garantia de emprego) é encontrar-se a empregada grávida no momento da dispensa, fato incontroverso nos autos. 4. Nesse cenário, a estabilidade provisória da gestante já existia mesmo à época da dispensa, uma vez que a garantia decorre de disposição constitucional, sendo irrelevante se o contrato de trabalho foi ou não celebrado sob a modalidade de experiência. 5. Portanto, tendo em vista o exaurimento do período da garantia de emprego, é devida a indenização substitutiva por todo o período entre a data da dispensa imotivada e 5 (cinco) meses após o parto, nos termos do art. 10, II, b, ADCT, CF/88. Recurso de revista conhecido, por contrariedade à Súmula nº 244, III, do TST, e provido” (RR-1000735-04.2017.5.02.0078, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 04/09/2020).

A decisão da terceira turma deixa claro e destaca que não a legislação não impõe “nenhuma restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho” e garante a estabilidade da gestante nessa modalidade.

Mas em análise oposto e avaliando a tese de repercussão geral do STF, a quarta turma do TST, com decisão da lavra do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos profere decisão oposta, publicada logo após, no DJET de outubro/2020. Vale ler o trecho específico da ementa:

(…) A discussão quanto ao direito à estabilidade provisória à gestante contratada por prazo determinado, na modalidade de contrato de aprendizagem, encontra-se superada em virtude da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 629.053/SP, em 10/10/2018, com a seguinte redação: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. III) A decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 497 é de clareza ofuscante quanto elege como pressupostos da estabilidade da gestante (1) a anterioridade do fator biológico da gravidez à terminação do contrato e (2) dispensa sem justa causa, ou seja, afastando a estabilidade das outras formas de terminação do contrato de trabalho. (…)(…) Assim, na hipótese de admissão mediante contrato por prazo determinado, não há direito à garantia provisória de emprego prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT. Superação do item III da Súmula 244 do TST pelo advento da tese do Tema 497 da repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no RE 629.053, na Sessão Plenária de 10/10/2018. V) A tese fixada pelo Plenário do STF, em sistemática de repercussão geral, deve ser aplicada pelos demais órgãos do Poder Judiciário até a estabilização da coisa julgada, sob pena de formação de coisa julgada inconstitucional (vício qualificado de inconstitucionalidade), passível de ter sua exigibilidade contestada na fase de execução (CPC, art. 525, § 1º, III), conforme Tema 360 da repercussão geral. VI) Recurso de revista de que não se conhece” (RR-10757-04.2016.5.03.0028, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 23/10/2020).

A decisão do Ministro Caputo chega a questionar a possibilidade de se alegar a tese de repercussão geral em fase de execução – abrindo uma oportunidade argumentativa à advocacia patronal que estiverem com processos nessas circunstâncias. Todavia a cronologia não tem firma entendimento turmário no TST e em dezembro de 2020, a sexta turma, em decisão da lavra do Ministro Augusto César Leite Carvalho decide em sentido oposto:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, o debate acerca de estabilidade da gestante contratada por tempo determinado detém transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Transcendência reconhecida. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT ATENDIDOS. A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea b , do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado, ainda mais em se tratando de contrato de experiência, o qual é, em rigor, um contrato com a pretensão de ser por tempo indefinido, com uma cláusula alusiva a período de prova. Inteligência da Súmula 244, III, do TST, em sua atual redação. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-1001882-05.2017.5.02.0001, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 11/12/2020).   

As ementas que reconhecem a estabilidade da gestante em contratos por prazo determinado não trazem uma análise da tese de repercussão geral do STF, mas a ratio decidendi se apresenta digna de aprofundamento e reflexão.

De toda forma, a grande pergunta é se a gestante tem ou não garantia de emprego nos contratos por prazo determinado? O TST está caminhando com esse tema, mas enquanto isso a sociedade fica ansiosa por um desfecho que, independentemente do resultado final traga aquilo que todos merecem e esperam do poder judiciário: a segurança jurídica!