Do controle de jornada dos trabalhadores submetidos ao teletrabalho

A MP 1046/2021, publicada em 27 de abril passado, permite novamente que o empregador altere o regime de trabalho do empregado para o teletrabalho. Para escrever sobre a temática, convidei esta semana a advogada Suellem Ribeiro Alves, pós-graduanda em Direito Cívil e Direito processual Civil.

Suellem Ribeiro Alves

Leia a abaixo a íntegra do texto:

No último dia 27 de abril de 2021 foi publicada no Diário Oficial da União a MP 1046/2021, a qual trouxe novamente ao empregador a possibilidade de alteração do regime de trabalho presencial para o telepresencial. A princípio a aplicabilidade da MP se dará por 4 (quatro) meses, podendo ser prorrogada por igual período por ato do próprio Poder Executivo.

Imperioso lembrarmos que a Lei 13.467/2017 introduziu um novo capítulo a Consolidação das Leis Trabalhistas que trata especificamente do tema (artigos 75-A a 75E) definindo, inclusive, o teletrabalho como sendo “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Dito isso, quando falamos em teletrabalho uma das principais celeumas enfrentadas pelos empregadores diz respeito ao controle da jordana de trabalho dos trabalhadores submetidos a tal modalidade, e, em que pese o artigo 62, III da Consolidação das Leis Trabalhistas aduzir que os teletrabalhadores não encontram-se abrangidos pelo controle de jornada de trabalho estabelecido em lei, alguns pontos devem ser considerados.

A Constituição Federal em seu artigo 7º, XIII aduz que a duração do trabalho normal não será superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, e, se levarmos em consideração que em regra para a realização do teletrabalho o trabalhador utilizará tecnologias da informação por meio da internet, seja através de e-mails, whatsapp, próprios sistemas internos do empregador, que para acesso necessitam realizar login, acesso remoto a banco de dados, onde enviará e receberá atribuições e, ainda, se traçarmos um paralelo com o texto do parágrafo único do artigo 6º da Consolidação das Leis Trabalhistas que determina que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio, entende-se que para tal jornada de trabalho estará sujeita a possiblidade de supervisão pelo empregador, o que consequentemente poderá acarretar na obrigatoriedade de controle da jornada de trabalho.

Temos que, com a informatização e o próprio avanço da tecnologia cada vez mais os empregadores possuem formas de acompanhar a realização das atividades atribuídas ao teletrabalhador, bem como o início e finalização destas atividades.

Em que pese a especificação do que aduz o artigo 62, III da Consolidação das Leis trabalhistas, sua interpretação deve ser feita à luz do que preconiza a nossa Carta Magna, posto que, se a jornada de trabalho do empregado for passível de monitoramento, a exemplo, através de comunicadores, webcam, através da quantidade de atividades estabelecidas para realização diária, ou até mesmo através de controle de login em sistemas internos, entende-se que o empregador tem a possiblidade de controla-la, estando o teletrabalhador imbuído da proteção referente a limitação da jornada de trabalho, sendo, inclusive devido o respectivo adicional de horas extras quando da realização.

Há que se ter cuidado quanto a interpretação do posicionamento defendido acima, pois, se o teletrabalhador realiza suas atividades de forma livre, sendo a cobrança do empregador apenas relativa a resultados ou de metas, sem contudo haver possibilidade de acompanhar em quais períodos ou a que tempo as atividades estão ou serão de fato desenvolvidas, a estes não se estenderá a interpretação mencionada.

O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive tem se posicionado no sentido de que, se houver meio de controle patronal da jornada, é possível reconhecer os adicionais:

RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. PERÍODO POSTERIOR A 1º/11/2009. COMPARECIMENTO DIÁRIO NO INÍCIO E NO TÉRMINO DA JORNADA. CONTROLE INDIRETO DA JORNADA DE TRABALHO. A exceção prevista no artigo 62, I, da CLT não depende apenas do exercício de trabalho externo, mas também da impossibilidade de controle de horário pelo empregador. No caso, a Egrégia Turma concluiu ser possível o controle da jornada em face do comparecimento diário no início e término da jornada. Indubitável, portanto, que o empregador exercia o controle indireto sobre os horários cumpridos pelo empregado. Somente quando se revelar inteiramente impossível o controle, estará afastado o direito ao pagamento de horas extraordinárias, em razão da liberdade de dispor do seu próprio tempo, a exemplo do que ocorre, mesmo nesses casos, com o intervalo para refeição, cujo gozo é presumido, diante a autorização legal para dispensa do registro. Precedentes. Recurso de embargos conhecido e não provido.

(TST – Acórdão E-ed-rr – 13-24.2012.5.02.0381, Relator(a): Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, data de julgamento: 09/08/2018, data de publicação: 17/08/2018, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais)

EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014.HORAS EXTRAS. MOTORISTA. JORNADA EXTERNA. RASTREAMENTO POR SATÉLITE. POSSIBILIDADE DE EFETIVO CONTROLE DA JORNADA. Esta Corte vem, reiteradamente, entendendo que, havendo, na prática, a possibilidade de controle da jornada do empregado, fica afastada a incidência do artigo 62, inciso I, da CLT, fazendo jus o empregado às horas extras. Destaca-se, por outro lado, que a Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012, prevê expressamente a obrigatoriedade do controle, por parte do empregador, da jornada de trabalho dos motoristas profissionais, indicando, em numerus apertus, métodos pelos quais o controle pode ser feito (anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo ou por uso de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos), a critério do empregador. Logo, o controle da jornada e do tempo de direção dos motoristas é obrigatório e se faz por tacógrafo ou outro meio eletrônico idôneo (rastreamento por satélite, v.g.) ou, ainda, por papeleta, diário de bordo ou ficha de trabalho externo, estando disponíveis ao empregador essas possibilidades aqui mencionadas. Ainda que se alegue que a Lei nº 12.619/2012 não poderia ser aplicada ao período anterior à sua entrada em vigência, deve ser percebido que, conforme consignado no acórdão embargado, é incontroverso que havia a possibilidade de controle de jornadas por meio de rastreador instalado no caminhão.

Embargos não conhecidos. (TST – Acórdão E-rr – 1126-76.2010.5.02.0318, Relator(a): Min. José Roberto Freire Pimenta, data de julgamento: 08/02/2018, data de publicação: 16/02/2018, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais)

Por fim, em regra, concebe-se que ainda que a Consolidação das Leis Trabalhistas disponha em seu artigo 62, III que o teletrabalho esteja fora da aplicabilidade de controle de jornada, caso haja a inequívoca possibilidade de controle por parte do empregador ou sendo a atividade passível de controle, tal artigo poderá perder sua eficácia.