A acumulação de cargo público com a relação de emprego estabelecida junto às organizações sociais

A coluna desta semana é assinada pelo colega Guilherme Vieira Cipriano. Ele escreve sobre a acumulação de cargo público com a relação de emprego estabelecida junto às organizações sociais.  Cipriano é advogado e assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Goiânia, graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela mesma instituição.

Leia a íntegra do texto:

Ab initio, cumpre notar que a Administração Pública é regida por um conjunto de normas que não se encontram expressas em um Códex único, mas sim, expressas em um vasto rol de diplomas normativos, assumindo a Cártula Republicana de 1988 fundamental protagonismo nesse aspecto.

Dentre as normas aplicáveis à Administração e aos seus administrados previstas no diploma constitucional, sublinha-se o art. 37, incisos XVI e XVII, que estatui a vedação de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas. No mesmo sentido dispõe o art. 118, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Estatuto dos Servidores Públicos da União).

Da leitura dos mencionados regramentos, é possível aduzir que a proibição à citada acumulação incide sobre a Administração Direta, Administração Indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e fundações).

Nesse contexto, é necessário fazer uma breve digressão respeitante à natureza jurídica das Organizações Sociais.

A qualificação jurídica “organização social”, que será conferida por ato administrativo (ato de reconhecimento) às pessoas privadas sem fins lucrativo e que desempenham determinadas atividades de caráter social (ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura, saúde, entre outras atividades previstas em lei), permite a celebração de parcerias com o Estado, com recebimento de benefícios públicos. Esses ajustes, intitulados de “contratos de gestão”, são ajustadas entre as Organizações Sociais (entidades privadas qualificadas como tal), para cumprimento de metas de desempenho e recebimento de benefícios públicos (recursos orçamentários, permissão de uso de bens públicos, cessão especial de servidores públicos).

A vista disso, verifica-se que as Organizações Sociais não integram o conceito da Administração Direta nem da Administração Indireta; são entidades da iniciativa privada, sem finalidade lucrativa, que se associam ao Estado mediante celebração de contrato de gestão, com a finalidade de receberem fomento para a realização de atividades de interesse social. É o entendimento fixado pelo STF, elegendo-se como precedentes ilustrativos o RE nº 789.874, de relatoria do insigne Ministro Teori Zavascki[1], e a ADI nº 1.923[2], com voto vencedor proferido pelo Ministro Luiz Fux, com trecho a seguir destacado:

As organizações sociais como já dito, não fazem parte da Administração Pública Indireta, figurando no Terceiro Setor. Possuem, com efeito, natureza jurídica de direito privado (Lei nº 9.637/98, art. 1º, caput), sem que sequer estejam sujeitas a um vínculo de controle jurídico exercido pela Administração Pública em suas decisões. Não são, portanto, parte do conceito constitucional de Administração Pública. (…) Se a OS não é entidade da administração indireta, pois não se enquadra nem no conceito de empresa pública, de sociedade de economia mista, nem de fundações públicas, nem no de autarquias, já que não é de qualquer modo controlada pelo poder público, não há como incidir a regra do art. 37, II, da CF“.(STF – ADI: 1923 DF, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 29/06/2007, Data de Publicação: DJ 01/08/2007 PP-00015). (Grifo nosso).

Arrematando, na hipótese de um servidor público exercer função de empregado no Terceiro Setor, é evidente que não estará incorrendo na vedação constitucional, tal como fixado pela STF. Por óbvio, tal conclusão não afasta a necessidade de compatibilidade de horários entre os dois vínculos.

Assim sendo, a despeito desses entes privados receberem verbas públicas a serem aplicadas na concretização de fins de interesse público, não integram a Administração Pública, sendo inviável o enquadramento dos empregados das pessoas jurídicas em colaboração na categoria dos servidores públicos, para fins de incidência do artigo 37, XVI e XVII, da Constituição Federal, que veda a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções no âmbito da Administração Pública. Dito de outro modo, conclui-se que os empregados da Organizações Sociais não são servidores públicos e que a vedação ao acúmulo de cargos, empregos e funções remuneradas, taxada no art. 37, incisos XVI e XVII, da CF/88, a eles não se aplica.

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 nov. 2021.

STF. Recurso Extraordinário: RE 789.874 DF. Relator: Ministro Teori Zavaski. DJ: 18/11/2014. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7273390>. Acesso em: 12 nov. 2021.

___. Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 1.923 DF. Relator: Ministro Ilmar Galvão. DJ: 29/06/2007. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10006961>. Acesso em: 12 nov. 2021.

[1] ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL, SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS VINCULADOS A ENTIDADES SINDICAIS. SISTEMA “S”. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA. RECRUTAMENTO DE PESSOAL REGIME JURÍDICO DEFINIDO NA LEGISLAÇÃO INSTITUIDORA. SERVIÇO SOCIAL DO TRANSPORTE. NÃO SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CF). 1. Os serviços sociais autônomos integrantes do denominado Sistema “S”, vinculados a entidades patronais de grau superior e patrocinados basicamente por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, ostentam natureza de pessoa jurídica de direito privado e não integram a Administração Pública, embora colaborem com ela na execução de atividades de relevante significado social. Tanto a Constituição Federal de 1988, como a correspondente legislação de regência (como a Lei 8.706/93, que criou o Serviço Social do Trabalho -SEST) asseguram autonomia administrativa a essas entidades, sujeitas, formalmente, apenas ao controle finalístico, pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos. Presentes essas características, não estão submetidas à exigência de concurso público para a contratação de pessoal, nos moldes do art. 37, II, da Constituição Federal“. (RE 789874, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-227 DIVULG 18-11-2014 PUBLIC 19-11-2014). (Grifo nosso).