Ex-diretor e agentes que permitiam celulares e “saidinhas” de presídio são denunciados

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Goiás e promotores com atuação em Anápolis ofereceram denúncia criminal contra o ex-diretor da Unidade Prisional de Anápolis Fábio de Oliveira dos Santos e dois ex-agentes penitenciários da unidade, Antônio Dias Ataídes Neto e Sóstenes R. Brasil Júnior, por crimes apurados durante a Operação Regalia II. Deflagrada em 21 de novembro do ano passado, a ação teve como objetivo desmontar uma organização criminosa que atuava no presídio de Anápolis e que contava com a conivência e até mesmo participação direta de agentes prisionais.

Os promotores que integram o Gaeco – Thiago Galindo, Gabriela de Queiroz Clementino e Ramiro Carpenedo – detalharam que as investigações da Operação Regalia II resultaram, até agora, no oferecimento de quatro denúncias criminais. As três primeiras incluem os presos que comandavam o esquema de tráfico de drogas na unidade prisional. Esta última denúncia relaciona os agentes públicos, atualmente afastados de suas funções. Ao todo, as quatro peças acusatórias englobam 13 denunciados.

Os crimes
Os integrantes do MP esclareceram que a denúncia contra os agentes públicos aponta a prática de cinco crimes: organização criminosa, prevaricação, favorecimento da entrada de celular em presídio (prevaricação imprópria), tráfico de drogas e até mesmo tortura. Nem todos os delitos, contudo, foram imputados a todos os acusados. A acusação de tráfico de drogas pesa apenas contra Fábio, enquanto a tortura, explicaram os promotores, refere-se ao caso de um preso específico e foi praticada, comprovadamente, por Antônio. Apesar disso, os membros do Gaeco salientaram que interceptações telefônicas realizadas durante a investigação demonstraram que havia ordens para agressões e maus-tratos aos detentos, em especial aqueles que não tinham condição de “comprar” regalias.

Os promotores pontuaram que, caso sejam aplicadas as penas máximas para os crimes, os denunciados podem ser condenados, em conjunto, a até 56 anos e 4 meses de prisão. Eles também esclareceram que aos acusados não foi imputada a prática de corrupção, apesar dos diversos depoimentos indicando que eles receberiam propina em troca de regalias, especialmente, para facilitar as “saidinhas” de presos, porque não há como embasar uma denúncia por corrupção somente em provas testemunhais. As investigações, contudo, terão continuidade, para verificação da prática de outros crimes, inclusive lavagem de dinheiro.

Dano moral coletivo
Na denúncia, além da condenação dos denunciados à pena de prisão, foi requerida à Justiça a fixação de um valor mínimo como reparação dos danos morais coletivos decorrentes da conduta criminosa dos agentes públicos. Segundo o Gaeco, durante a investigação, foi possível detectar, em relação aos presos, uma movimentação em dinheiro, somente em 2017, de mais de R$ 5 milhões dentro do presídio. No que diz respeito aos agentes, a soma em dinheiro movimentada ultrapassou R$ 1 milhão.

Estiveram presentes à entrevista também o subcoordenador do Centro de Inteligência do MP, Giordane Naves, e o delegado Gilson Mariano. Ao delegado, coube informar o andamento da investigação do agente penitenciário Ednaldo Monteiro da Silva, que também estava envolvido no esquema e foi morto em 2 de janeiro deste ano. Sobre a apuração, Gilson Mariano sublinhou que até o fim desta semana o inquérito deverá ser concluído pela Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic).

A investigação
Conforme apresentado na peça acusatória, o Gaeco instaurou o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) nº 1/2016, em junho de 2016, no qual se investigou a existência de grupos criminosos atuando na Unidade Prisional de Anápolis. Na investigação, apurou-se que detentos daquele presídio comandavam inúmeros crimes praticados dentro e fora da cadeia, e contavam, para isso, com a conivência e participação de alguns agentes prisionais lotados no local, que constituíram verdadeira organização criminosa para a obtenção de vantagens.

Ainda de acordo com a denúncia, além do tráfico intenso de drogas, foi constatada a ocorrência de roubos, extorsões e até homicídios praticados pelos presos, tanto dentro quanto fora da unidade. De acordo com os promotores, tudo isso só foi possível com a conivência e, em muitos casos, com a participação ativa de servidores lotados no presídio, mediante o pagamento de propina.

Para instauração do PIC, foram juntados documentos compartilhados de investigações anteriores, além de “denúncias anônimas” e depoimentos de detentos prestados na Promotoria de Justiça com atribuição na execução penal de Anápolis. Após o início da investigação, foram colhidos novos depoimentos, determinada a quebra judicial do sigilo bancário e fiscal de vários investigados, além de realizada a interceptação telefônica de alguns terminais utilizados por presos e agentes prisionais.

Assim, em junho de 2017, a Polícia Civil, por meio do Grupo de Repressão a Narcóticos (Genarc) de Anápolis, passou a integrar a investigação. Em 21 de novembro de 2017, foi deflagrada, então, a Operação Regalia II, com o cumprimento de várias ordens de prisão e mandados de busca e apreensão em diversos locais. Após a análise das provas colhidas, foi possível identificar a existência de quatro grupos criminosos bem definidos.

O primeiro, uma associação criminosa voltada ao tráfico de drogas, arraigada dentro do Presídio de Anápolis, liderada pelo preso Wanderson Rithiele Assis Santana (conhecido como Bola). Neste grupo, havia a participação efetiva de Carla Natielly, mulher de Bola; Joelson Vieira Rodrigues; João Ricardo Vieira Lino (vulgo Gaguinho), e Andreza Fernandes do Nascimento, mulher de Joelson Vieira Rodrigues. Todos eles foram denunciados em outra peça acusatória, que tramita de forma autônoma, na 1ª Vara Criminal de Anápolis (Protocolo Judicial nº 201702831315).

O segundo grupo era encabeçado pelo detento Leonaldo Cândido Correa (vulgo Folião) e também se destinava ao tráfico de drogas. Para a consecução de sua finalidade, contava com a participação efetiva de sua mulher, Patrícia Cândido Correa; de Marciel Ribeiro de Oliveira (vulgo Grilo), além de outros comparsas que ainda não foram identificados. Estes também foram denunciados, em peça autônoma, na mesma 1ª Vara Criminal (Protocolo Judicial nº 201702831285).

O terceiro grupo era formado por Samuel Nascimento Gomes (conhecido como Hominho) e sua mulher, Laiane Driele Gomes de Souza, que se associaram para praticar o tráfico de drogas dentro e fora daquele estabelecimento penal. Foram denunciados em peça apartada (Protocolo Judicial nº 201702831307).

O quarto grupo, objeto da denúncia protocolada no dia 9, era formado por agentes prisionais efetivos (agente de segurança penitenciária) e temporários (vigilante penitenciário temporário), que permitiam a entrada de drogas, telefones, objetos proibidos, além de outras regalias aos detentos em troca de vantagens indevidas, em especial, pecuniárias. Este grupo era liderado pelo diretor Fábio de Oliveira Santos, de forma indireta, e por Ednaldo Monteiro da Silva (falecido), de modo mais ostensivo, o qual exercia a função de supervisor de segurança e era o segundo homem na hierarquia do presídio, abaixo apenas de Fábio. Consta ainda da acusação do MP que integravam também essa organização criminosa o agente de segurança penitenciária Antônio Dias Ataídes Neto e o ex-agente Sóstenes R. Brasil Júnior (ex-vigilante penitenciário temporário).

Desse modo, Fábio de Oliveira Santos foi denunciado por integrar organização criminosa, tráfico ilícito de entorpecentes, prevaricação (quando funcionário público retarda ou deixa de praticar ato de ofício para satisfação de interesse pessoal) e prevaricação imprópria, o qual consiste no ato de “deixar o diretor de penitenciária ou agente público de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”, conforme definido no texto da lei.

Antônio Dias Ataídes Neto foi denunciado por integrar organização criminosa, prevaricação, prevaricação imprópria e tortura (pelo caso do preso específico agredido). Já Sóstenes Brasil Júnior foi denunciado por integrar organização criminosa, prevaricação e prevaricação imprópria.

Medidas cautelares
Os promotores requisitaram ainda que sejam restabelecidas as medidas cautelares de recolhimento domiciliar no período noturno e monitoração eletrônica de Fábio de Oliveira. Foi requisitado ainda à Genarc e ao Instituto de Criminalística o exame toxicológico definitivo da droga (preliminarmente constatada como cocaína) apreendida na sala de Ednaldo monteiro no dia em que foi deflagrada a operação, e que os objetos apreendidos, tidos como relevantes, sejam acautelados em depósito judicial até o trânsito em julgado, salvo decisão judicial em contrário. Os demais denunciados já estão sendo monitorados por tornozeleira. Todos os três também estão afastados de suas funções.