Especialistas acreditam que as ordens judiciais de interceptação de conversas do WhatsApp não serão mesmo cumpridas

Marília Costa e Silva

A Justiça brasileira voltou a bloquear o WhatsApp no País esta semana. A alegação, de novo, é de que a empresa se negou a fornecer informações sobre conversas trocadas entre pessoas investigadas. E essa negativa ocorreu pouco tempo depois de a companhia ter informado os usuários de que todas as comunicações (texto, imagem, áudio, vídeo e ligação) por meio do aplicativo (quer entre duas pessoas, ou em grupos) estão integralmente criptografadas – criptografia “ponta-a-ponta” ou “fim-a-fim”. Isso significa que quando a mensagem é enviada, ela é embaralhada em um código de letras e números. Assim, mesmo que seja interceptada, ninguém consegue entendê-la.

O Executivo do WhatsApp Jan Koum
O Executivo do WhatsApp Jan Koum garante que não há como quebrar a criptografia dos dados

O diretor executivo do Whatsapp, Jan Koum, em sua conta no Facebook, voltou a criticar a decisão do Judiciário, que foi revogada nesta terça-feira (3). “Mais uma vez milhões de brasileiros inocentes foram punidos porque um juiz – de Largato, no Sergipe – que quer que o Whatsapp entregue informações que nós repetidamente já dissemos que não temos”, disse. Ele explicou que o aplicativo faz mesmo criptografia das mensagens para manter as informações dos usuários seguras. “Quando você manda uma mensagem criptografada, ninguém mais pode ler – nem mesmo nós”, alegou Koun. O uso da criptografia foi anunciada no último dia 5 de abril.

Além disso, Koum apontou que o Whatsapp não guarda os históricos das conversas nos servidores. “Nós tipicamente não coletamos muitos dados sobre os usuários. Quando você se cadastra no WhatsApp, você informa o número do seu telefone e nós temos essa informação. Quando falamos em metadados, nós não armazenamos essas informações em nossos servidores”, esclareceu.

Diante disso, a principal pergunta que surge é: Como serão cumpridas medidas judiciais determinando a interceptação do fluxo das comunicações entre os usuários do WhatsApp? Resposta curta: não serão cumpridas, de forma alguma. A opinião é do advogado Caio César Carvalho Lima, sócio do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados.

O advogado Caio César Carvalho Lima
O advogado Caio  Lima acredita que o App poderia criar alternativa para acesso aos dados

Segundo ele, além da criptografia, é importante questionar, primeiramente, se realmente existe lei obrigando que tal interceptação seja levada a efeito por provedores de aplicações de internet no País. “Lembramos que, no Brasil, a Lei 9.296/1996 dispôs acerca da interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, regulamentando a parte final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, estando a doutrina dividida acerca da efetiva aplicabilidade dessa norma à interceptação de comunicações realizadas, como no caso em referência”, explicou.

“Visto esse cenário de incertezas, independentemente da definição sobre o tema, será que não existiriam opções à aplicação para que, sem violar a criptografia “fim-a-fim”, consiga contemplar eventuais ordens judiciais emitidas de acordo com os ditames legais de cada nação, mitigando dúvidas sobre a legalidade no seu funcionamento? Nos parece que sim”, frisou.

Para ficar apenas em um exemplo, Caio cita que soa bastante razoável que a aplicação desenvolva artifício tecnológico que possibilite a adição de usuários invisíveis às comunicações via aplicativo (neste caso alguém da polícia, após ordem judicial específica neste sentido), de tal forma que não haja óbice aos procedimentos investigativos. “Desse modo, é possível garantir a privacidade dos usuários com a criptografia das comunicações, contemplando a segurança, que é tão relevante e deve ser prestigiada”, disse.

Facilitador aos criminosos

O advogado Rafael Maciel
Rafael Maciel acredita que as autoridades têm agora de usar outros meios de investigação

O presidente da Comissão de Direito Digital da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Rafael Maciel, também comenta que a criptografia adotada pelo WhatsApp garante ao usuário uma maior privacidade uma vez que não será possível a leitura dos dados porventura interceptados ou, uma vez armazenados, não sejam no dispositivo do destinatário ou do remetente. “Entendo que o valor privacidade deve ser sempre defendido, mas vejo com preocupação o fato de que criminosos usaram a plataforma sob a garantia de que autoridades não conseguiram acessar o conteúdo, muito menos interceptar. Claro que as autoridades poderão utilizar outros meios de investigação, acessando o conteúdo mediante apreensão do próprio dispositivo onde as mensagens foram armazenadas, mas não deixa de ser um facilitador aos criminosos”.

Conforme Rafael, a nova criptografia usada pela empresa corrobora uma das teses de defesa da companhia: que não armazena os dados e que não consegue acessá-los. “Se a empresa não possui os dados não há como obriga-la a fornecê-los. A partir daí, qualquer medida mais arbitrária seria absolutamente ilegal. Importante, todavia, registrar que essa questão deve ser demonstrada, porquanto nem toda mensagem é criptografada, conforme o próprio Whatsapp ressalva com a expressão “quando possível”. Perícias serão ainda mais necessárias. Sendo a obrigação exequível, a empresa é obrigada a atender as ordens judiciais e, não atendendo, poderá estar sujeita a outras sanções”, frisou.

Se por um lado a empresa fica impedida de acessar o conteúdo das conversas, Maciel explica que a responsabilidade do usuário pela segurança fica ainda mais acentuada, já que cabe a ele tomar medidas para proteger seu aparelho, vez que a criptografia de nada servirá se terceiros conseguirem acesso ao dispositivo, pois ali as mensagens já foram descriptografadas.