Concessões – Um Breve Histórico

    0

    O instituto da concessão, apesar de sua comum vinculação aos chamados serviços públicos, é anterior a esses e ao próprio Direito Administrativo, e remonta ao início do direito ocidental.

    Ao longo do tempo, a concessão foi se baseando aos modelos de organização em Roma, nos sistemas feudais, e nos regimes absolutistas, transformando, em termos de finalidades, objeto e contornos jurídicos.

    A ideia de associação do particular à realização do interesse público foi desenvolvida na Europa somente a partir do século XIX, momento em que surgiu no Brasil.

    O instituto passou por longo processo de requalificação ao longo da história até ser absorvido pelo instituto do serviço público, prestando-se ao atendimento crescente da demanda por novas utilidades que deveriam ser garantidas pelo Estado, sem que, para tanto, tivesse o Estado que crescer desmedidamente sua estrutura administrativa, permitindo o concurso entre particulares e Poder Público.

    No Brasil, a evolução da noção de concessões ocorre seguindo de maneira bastante próxima o curso da Coroa Portuguesa.

    A vinda da Coroa para o Brasil em 1808 fez emergir a necessidade não apenas de ocupação territorial como também a necessidade de provimento dos aglomerados urbanos com a mínima infraestrutura de serviços.

    Para ficar apenas com um exemplo, na Carta Régia de 5 de setembro de 1811, que concedeu livre comércio entre as capitanias de Goiás e Pará, ficou estabelecido que, para além dos privilégios realengos outorgados, os beneficiários deveriam abastecer aquelas regiões com provimento médico, implantar presídios, proceder ao desassoreamento dos rios em período de seca e implantar dispositivos de transportes de cachoeiras.

    Durante este período nasceu o contrato de concessão de serviço público, juntamente com a elaboração da teoria do contrato administrativo afirmando o regime jurídico exorbitante desses contratos em relação ao direito privado, que reconheceu poderes de autoridade à Administração na execução do contrato, em prol do interesse público, como afirma Maria João Estorninho.

    Ao longo do século XIX, os contratos de concessão estiveram associados à construção de grandes infraestruturas públicas com redes de transporte de distribuição de gás, de eletricidade, de água e de transportes ferroviários.

    No final do século XIX, a concessão foi de grande valia para o desenvolvimento do Brasil, no entanto, nos anos 40 do século XX cessou-se a sua expansão, surgiram empresas publicas e houve a ampliação da ação direta do Estado na atividade econômica e social.

    Na fase de transição do Estado Liberal para o Estado Social, nos anos 30 do Século XX, a atividade contratual da Administração foi alterada. Para evitar a relação de dependência financeira do privado em relação à Administração, garantir a qualidade e continuidade do serviço público passou-se para uma fase de colaboração. Surgiram medidas típicas como a alteração dos processos licitatórios, a modificação da redação dos contratos, incluído sanções, revisão de preços, pagamento de indenizações e a melhoria das condições de financiamento.

    Neste momento houve o crescimento da máquina administrativa e a proliferação dos contratos como instrumento de colaboração de particulares com a Administração nas tarefas de prestação de bens e serviços aos cidadãos, e não apenas na concessão de obras públicas.

    Com o advento da Constituição da República de 1988, o Direito Administrativo se constitucionaliza, significando isso, ao menos, a um intenso disciplinamento da administração pública, intensas transformações do Estado, marcadamente no que toca à prestação dos serviços públicos e a influência dos princípios constitucionais no Direito Administrativo.

    O artigo 175 encerra o chamado regime de concessão de serviços públicos no direito brasileiro contemporâneo, apoiado, como sustenta Floriano de Azevedo Marques Neto, em cinco pilares: i) tais atividades poderiam ser exploradas por meio de concessões; ii) a concessão tinha definitiva e constitucionalmente caráter contratual; iii) a escolha do particular que atuaria como concessionário seria sempre precedida de licitação; iv) a remuneração do particular dar-se-ia por tarifa, que não seria fixada em lei, mas teria seus parâmetros gerais (a política tarifária) estabelecidos pela norma legal; e (v) deveria haver uma lei geral fixando os quadrantes normativos das concessões e fixando direitos e mecanismos de proteção do usuário, bem como garantias de prestação de serviços adequado pelo concessionário.

    Em 1995 sobreveio a Lei Geral de Concessões, cujo projeto foi inicialmente aprovado pelo então Senador Fernando Henrique Cardoso em 21 de março de 1990. Tramitou por cinco anos nas duas casas do Congresso Nacional e apenas foi aprovado quando Fernando Henrique se tornou Presidente da República.

    O projeto enfrentou severas críticas de setores estatizantes que viam a concessão como uma privatização de atividades contra a qual lutavam.

    Interessante perceber que a lei sobreveio antes do Programa de Desestatização de empresas, bens e serviços públicos promovido pelo Governo Federal em meados da década de 90.

    Apesar de rotineiramente ouvir-se que as concessões encerram “privatizações”, em verdade, as concessões, previstas no corpo da Constituição nada mais é que a transferência da prestação de atividade econômica cometida ao Estado sob a rubrica de serviço público a operadores privados, não se podendo falar em privatização ou desestatização material da atividade.

    Nas concessões, o que ocorre é, no máximo, a “privatização organizatória, formal ou de gestão” de um serviço público.