Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor e sua aplicabilidade no Estado de Goiás

*Rafael Mentel

A proteção ao Direito dos Consumidores sofreu grandes evoluções com a Constituição de 88 e com a criação do CDC – Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) onde existem inúmeros dispositivos de proteção ao consumidor que é vulnerável na relação de consumo, visando proteger o consumidor de práticas ilícitas dos fornecedores de
produtos e serviços. A teoria tem como autor o Advogado Marcos Dessaune, segundo o autor o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável.

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor é voltada para indenizar consumidores pelo tempo perdido por problemas causados por fornecedores de produtos e serviços. Cotidianamente os fornecedores colocam no mercado produtos e/ou serviços defeituosos e com vícios e mesmo diante das reclamações dos consumidores negligenciam a rápida e
efetiva resolução desses problemas fazendo com que o consumidor saia de suas atividades normais para resolver problemas nitidamente provocados pelos fornecedores.

O STJ e alguns tribunais já vêm aplicando a teoria, fazendo cair o arcaico entendimento na qual tal conduta era intitulada apenas como “mero dissabor” sem a necessidade de indenização e fazendo ser um contratempo do cotidiano. Recentemente a 3ª Turma do STJ aplicou a teoria ao condenar um banco (REsp 1.737.412) a pagar R$ 200 mil por danos
coletivos por descumprir regras estabelecidas para atendimento aos consumidores. O TJ/RJ é o pioneiro na aplicação da teoria. Recentemente, aplicou a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor na apelação cível nº 0053950-27.2016.8.19.0205, de fevereiro de 2019.

O estado de Goiás ainda tem atuação tímida no cenário de aplicabilidade da teoria. Acredito que isso ocorre pelo fato de os advogados ainda não invocarem o Judiciário em suas petições iniciais mostrando que a teoria esta em consonância com as leis que tutelam o Direito do Consumidor e que o Consumidor tem direito a ser indenizado pelo tempo
perdido em decorrência de problemas gerados de forma unilateral pelos fornecedores de serviços e/ou produtos.

Existem alguns julgados recentes do TJ/GO nos quais já mostra que o Judiciário do estado quando provocado atende a necessidade do consumidor e acertadamente aplica a teoria com isso resgatando o respeito que, especialmente, fornecedores de serviço deixam de observar. Seguem recentes julgados do TJ/GO em relação ao tema: APELAÇÃO CÍVEL . AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DE REVISTA. COBRANÇA INDEVIDA. ABUSIVIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO TEMPO LIVRE E DESVIO PRODUTIVO. REITERADOS TRANSTORNOS AO LONGO DE 02 ANOS. ATO ILÍCITO COMPROVADO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. 1. A renovação automática de assinatura de revistas, mediante imposição de débito em conta ou desconto em cartão de crédito, sem o prévio consentimento do cliente, configura abusividade (art. 39, III, CDC), dando ensejo ao dano moral. 2. A Teoria da Perda do Tempo Livre (ou Desvio Produtivo do Consumidor) vem resgatar o respeito que, especialmente, fornecedores de serviço deixam de observar, não se permitindo que o Poder Judiciário se faça de ouvidos moucos aos reclamos que fogem do justo e do razoável, tal como a situação em que o consumidor sofreu de reiterados transtornos com a cobrança indevida ao longo de dois anos, tendo que constantemente buscar meios para
solucionar problema que não causou. 3. Circunstância que, na espécie, traduz mais do que mero aborrecimento, pois presentes os requisitos legais (ato ilícito, dano e nexo causal), resta configurado o dano moral. 4. O montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais) atende, in casu, às premissas do instituto do dano moral (razoabilidade, proporcionalidade, caráter
pedagógico e punitivo), sendo suficiente para promover a reparação pelo transtorno causado sem, contudo, ocasionar enriquecimento ilícito por parte do autor. 5. Sentença de procedência parcial reformada para acrescentar a condenação pelo dano moral e alterar o ônus da sucumbência. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. COBRANÇA EM DUPLICIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA ARBITRADOS DE OFÍCIO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR. 1. Constatada a cobrança em duplicidade, resta configurado o dever de restituição do valor cobrado indevidamente, devendo, no entanto, ser observado o abatimento do valor já restituído,
pela apelante, na via administrativa. 2. Observada a ausência do estabelecimento dos índices de correção ao valor a ser restituído, impõe-se o suprimento, de ofício, da omissão, a fim de acrescer-lhe juros de mora de 1%(um por cento) ao mês, a partir da citação, e correção monetária, pelo INPC, a partir do efetivo desembolso. 3. Considerando que os
constrangimentos sofridos, em razão da cobrança indevida, ultrapassam a esfera do mero dissabor, revelando descaso ímpar para com o consumidor, ao negar uma solução pela via administrativa, resta caracterizado o dano moral, passível de indenização, incidindo na hipótese a teoria do desvio produtivo do consumidor, segundo a qual todo tempo desperdiçado para a solução de problemas causados por maus fornecedores constitui dano
indenizável. 4. O montante arbitrado a título de dano moral – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), afigura-se correto, notadamente se consideradas as articularidades do caso e as partes envolvidas, bem assim as circunstâncias que permeiam a lide, sem descurar que atende aos pressupostos que devem nortear o arbitramento, razoabilidade e proporcionalidade. 5. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majora-se a verba honorária ao percentual de 12% sobre o valor da condenação. Apelação desprovida. (TJGO, Apelação (CPC) 5381266-70.2017.8.09.0051, Rel. FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 2ª Câmara Cível, julgado em 19/06/2019, DJe de 19/06/2019).

Portanto, tendo em vista que a ordem econômica é baseada na justiça social, a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor chega pra inibir o fornecedor de prestar um serviço ou apresentar no mercado um produto defeituoso fazendo com que o Consumidor, diante de
sua vulnerabilidade, venha a sair de suas atividades cotidianas para resolver problemas causados de forma unilateral pelos fornecedores merecendo ser indenizado por isso.

*Rafael Mentel é  graduado pela Faculdade Cambury, pós-graduando pelo Centro Acadêmico Uni Anhanguera. Advogado no Escritório Rafael Mentel Advocacia, Consultoria e Assessoria Jurídica, em Goiânia