Responsabilidade civil da união por eventuais danos causados pela vacinação da Covid-19

*Murilo Rezende dos Santos

Um dos motivos que serviram para o retardamento na aquisição de vacinas pela União, foi a discordância do presidente da República quanto à cláusula nos contratos de fornecimento por alguns dos laboratórios fabricantes, como Pfizer/BioNTech e Janssen. Por essa cláusula, os laboratórios não assumem responsabilidade por eventuais danos causados pelas vacinas.

Estabelecido o impasse, sobreveio o Projeto de Lei nº 534/21, do Senado Federal (já aprovado pela Câmara dos Deputados), para autorizar os Estados, os Municípios e o setor privado a comprarem vacinas contra a covid-19 com registro ou autorização temporária de uso no Brasil. O Projeto também propôs autorizar a União, os Estados e os Municípios a assumirem a responsabilidade de indenizar os cidadãos por eventuais efeitos colaterais provocados pelas vacinas.

Pois bem, haveria realmente a necessidade dessa nova medida legal?

A resposta é negativa, porque, querendo ou não, a União tem de responder por eventuais danos que decorreram da vacinação.

Seguindo o que já dispuseram as Constituições anteriores, o art. 37, § 6º, da Constituição de 1988, adotou o princípio da responsabilidade do Estado pelos danos que os seus agentes causarem a terceiros. Logo, a pessoa jurídica de direito público sempre responderá pelos danos causados a terceiro, independentemente de culpa do servidor, quando houver nexo de causalidade entre a atividade da Administração e o prejuízo sofrido.

Referido art. 37, § 6º, adota a teoria do risco administrativo, pela qual o dano derivado do funcionamento do serviço público é indenizável, independentemente de haver sido causado por culpa ou dolo, pelo bom ou mau serviço. Assim, feita a prova da relação causal entre o dano sofrido e a ação do agente, ou do órgão, da administração, a reparação poderá ser exigível.

A Constituição Federal também dispõe que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196). E ainda que: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado” (art. 197).

A par disso, a Lei nº 13.979/2020, que dispõe “sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”, estabeleceu que, para enfrentamento da emergência de saúde pública instalada, as autoridades poderão adotar, dentre outras medidas, isolamento, quarentena, uso de máscaras, realização compulsória de exames médicos e, ainda, vacinação e outras medidas profiláticas (art. 3º, III, “d”).

Consequentemente, se dela dano advier, resulta imperiosa a obrigação de a União responder, pouco importando as cláusulas eximindo ou transferindo responsabilidades.

A questão inclusive nem é nova, pois a União já foi anteriormente responsabilizada por danos decorrentes de vacinações anteriores contra Influenza-Gripe (STJ: REsp nº 1.514.775/SE e REsp nº 1.388.197/PR), em que pessoas imunizadas desenvolveram a Síndrome de Guillain-Barré, que a grosso modo, leva a uma fraqueza muscular causada pelo ataque do sistema imunitário ao sistema nervoso periférico e pode levar até à incapacidade total, necessitando a pessoa de ajuda para realizar todas as atividades do seu dia a dia, inclusive beber água e se alimentar.

Sendo bem incisivo, o Ministro Herman Benjamin, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, assim se pronunciou no julgamento do Recurso Especial nº 1.388.197/PR: “(…) Uma das mais extraordinárias conquistas da medicina moderna e da saúde pública, as vacinas representam uma bênção para todos, mas causam, em alguns, reações adversas que podem incapacitar e até levar à morte. Ao mesmo Estado a que se impõe o dever de imunizar em massa compete igualmente amparar os poucos que venham a sofrer com efeitos colaterais”.

Enfim, relativamente aos riscos decorrentes da vacinação, decorre a responsabilidade objetiva do Estado, com base no art. 43 do Código Civil ou no art. 37, § 6º da Constituição Federal, não cabendo tentar isenção de responsabilidade sob alegação de caso fortuito ou imprevisibilidade de reações adversas.

*Murilo Rezende dos Santos é professor de Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas. Doutor em Direito Civil pela USP e advogado.