O que fazer para aplicar a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)?

*Ariston Araújo

A nova lei de licitações e contratos administrativos (Lei nº 14.133/2021) entrou em vigor no dia 1º de abril de 2021, portanto, há mais de um ano. No entanto, pelo seu art. 193, II, fixou um prazo de dois anos de sua publicação para a revogação total da Lei nº 8.666/1993, o que ocorrerá daqui a nove meses. Já o art. 191 facultou à Administração que, até esta data, poderá optar por licitar e/ou contratar com qualquer uma destas leis.

Assim, a partir de 01 de abril de 2023, será obrigatória a utilização apenas da nova lei, vez que a Lei 8.666 estará totalmente revogada.

Este prazo de dois anos fixado pela lei para utilização de uma ou outra norma se deu no sentido de que a Administração Pública pudesse se preparar adequadamente aos termos da nova lei, que trouxe inúmeras inovações, que necessitam, portanto, de ações efetivas por parte dos gestores públicos visando a sua aplicabilidade.

No entanto, faltando apenas nove meses para a revogação total da Lei 8.666/1993, são poucos os órgãos públicos que estão aplicando a nova lei. No âmbito dos órgãos integrantes do Estado de Goiás, por exemplo, não se iniciou ainda qualquer processo de contratação com base na Lei 14.133. Aqui estamos falando do Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além dos Tribunais de Contas (do Estado e dos Municípios), do Ministério Público e da Defensoria Pública.  

Tal fato é muito preocupante, pois se se deixarmos para o último momento (o prazo fatal é 31.03.2023), poderá haver muitos transtornos na aplicação da nova lei. Vejamos.

Primeiramente, há que se dizer sobre a necessidade de regulamentar vários dispositivos da Lei 14.133 para sua efetiva aplicação. Além disto, é preciso qualificar os servidores que atuarão na área de contratações públicas para implantar, na prática, a chamada “gestão por competência”, nos precisos termos do art. 7º, II, da nova lei.

Desta forma, este artigo tem o objetivo (e a pretensão) de apresentar o passo a passo que a Administração Pública deve adotar visando a efetiva implantação da nova lei de licitações e contratos administrativos.

Muitos são os dispositivos da lei que carecem de regulamentação (mais de 60, segundo alguns), porém uns poucos são de iniciativa exclusiva do governo federal, sendo que a maioria pode ser regulamentada pelos entes federados (Estados e Municípios). Dentre estes, tem aqueles que são imprescindíveis sua regulamentação de imediato, sob pena de não se poder utilizar a nova lei nas contratações.

Vamos, então, iniciar nosso passo a passo sugerindo as providências visando a aplicação efetiva da Lei 14.133, de acordo com a ordem das prioridades:

  • Baixar os atos (Decretos) visando regulamentar os seguintes dispositivos, sem os quais não é possível aplicar a lei:
    • 8º, § 3º – Regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos;
    • 18, I – Estudo Técnico Preliminar;
    • 20, § 1º – Enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo; (§ 2º condiciona novas compras de bens de consumo, após 180 dias de promulgação da lei, somente após a regulamentação de que trata o § 1º, ou seja, já se exauriu tal prazo);
    • 82, §§ 5º, II e 6º – Sistema de Registro de Preços;
  • Realizar as licitações/contratações por plataforma digital já integrada ao Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP)

O art. 94 da Lei 14.133 diz ser condição indispensável para a eficácia do contrato e seus aditamentos a sua divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), no prazo de 20 (vinte) dias para o caso de licitação e de 10 (dez) dias para o caso de contratação direta, bem como, no art. 54, que determina a publicação do edital, na íntegra, no mesmo portal.

Portanto, é imprescindível que o órgão público realize suas licitações/contratações em portais eletrônicos já integrados ao PNCP, vez que a divulgação neste é promovida de forma automática quando publicada na plataforma digital escolhida pelo órgão, o qual não cabe enviar individualmente os editais para publicação no PNCP.

Normalmente cada Estado possui a sua plataforma de contratação online. No Estado de Goiás, é o www.comprasnet.go.gov.br, que ainda não está integrado ao PNCP, daí porque nenhum órgão estadual utiliza ainda a nova lei em suas contratações. Mas quem utiliza, por exemplo, a plataforma do governo federal (www.comprasnet.gov.br), já pode utilizar a nova lei, vez que este portal está integrado ao PNCP. Então, cada órgão precisa verificar se a plataforma que utiliza está integrada ao PNCP, como, por exemplo, o Portal de Compras Públicas (www.portaldecompraspublicas.com.br) e as plataformas administradas pelo Banco do Brasil (licitacoes-e.com.br) e pela Caixa Econômica Federal (licitações.caixa.gov.br).

  • Qualificação dos Servidores para utilização da Lei 14.133

Esta qualificação atende precipuamente o que determina o art. 7º, II, da Lei 14.133, que instituiu a gestão por competências na Administração Pública, em suas contratações. Diz o inciso II que os agentes públicos designados para o desempenho das funções essenciais à execução da lei devem ter atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuir formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público. Ou seja, não se pode mais designar servidor para atuar na área sem qualquer conhecimento/experiência.

Portanto, é preciso urgentemente que o órgão público prepare seus servidores, qualificando-os para atuarem seja na fase preparatória, nos termos do art. 18 e seguintes (Capítulo II, do Título II), seja na fase do procedimento licitatório em si, bem como na fase de execução dos contratos (fiscais de contratos).

Minha sugestão é que o órgão público contrate de imediato um consultor especializado na área para promover esta qualificação.

  • Verificar as regulamentações que já foram realizadas por outros entes federados

Visando facilitar a regulamentação de que trata o item 1 deste artigo, é importante verificar as regulamentações já efetivadas por outros entes federados, para servir como parâmetros.

Não recomendo, em hipótese alguma, fazer o chamado Ctrl C + Ctrl V (ou seja, copiar na íntegra) tais regulamentações, pois deve-se observar a realidade de cada ente, muitas das vezes diferente daquela que já regulamentou a lei. A melhor opção é cada um baixe sua própria regulamentação, até porque a Lei 14.133 favorece esta opção e, pode-se, inclusive, utilizar-se tão-somente do decreto para tal, não havendo, portanto, necessidade de uma lei, como fez, por exemplo, o Estado do Paraná, que baixou um decreto enorme regulamentando toda a lei.

Penso que foi uma decisão ousada do Estado do Paraná, pois abriu mão das especificidades regionais para abraçar todas as normas gerais e específicas da Lei 14.133 (o Decreto tem 734 artigos e 413 páginas, um calhamaço).

Outra opção é adotar o permissivo contido no art. 187 da Lei 14.133, que faculta aos Estados e Municípios aplicarem os regulamentos editados pela União, o que não recomendo também, porque a realidade da União é muito diferente de um município brasileiro, sobretudo os menores, que são a maioria. Só para ilustrar esta opinião, o advogado catarinense Felipe Boselli disse em uma palestra que o próprio governo federal tem dificuldade em aplicar a Instrução Normativa nº 5, de 26.05.2017, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da União, de tão complicada que é. Imagine, então, um pequeno município que adote as regulamentações do governo federal…

4.1. Algumas regulamentações já efetivadas

            4.1.1. União (Governo Federal)

4.1.1.1. Instrução Normativa SEGES/ME nº 65, de 07.07.21, que dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços;

4.1.1.2. Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 08.07.21, que dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica;

4.1.1.3. Decreto nº 10.764, de 09.08.21, que dispõe sobre o Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas;

4.1.1.4. Instrução Normativa SEGES/ME nº 75, de 13.07.21, que estabelece regras para a designação e atuação dos fiscais e gestores de contratos nos processos de contratação direta;

4.1.1.5.  Decreto nº 10.818, de 27.09.21, que regulamenta o enquadramento dos bens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da administração pública federal nas categorias de qualidade comum e de luxo;

4.1.1.6. Instrução Normativa SEGES/ME nº 116, de 21.12.21, que estabelece procedimentos para a participação de pessoa física nas contratações públicas;

4.1.1.7. Decreto nº 10.922, de 30.12.21, que dispõe sobre a atualização dos valores estabelecidos na Lei nº 14.133;

4.1.1.8. Decreto nº 10.947, de 25.01.22, que dispõe sobre o plano de contratações anual e instituir o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações;

4.1.1.9. Instrução Normativa SEGES/ME nº 26, de 13.04.22, que dispõe sobre a dispensa, o parcelamento, a compensação e a suspensão de cobrança de débito resultante de multa administrativa e/ou indenizações;

4.1.1.10. Em fase de consulta pública a minuta do Decreto que estabelece regras e diretrizes para a atuação do agente de contratação, da equipe de apoio, da comissão de contratação e dos gestores e fiscais de contratos.

                          4.1.2. Município de Goiânia-GO

4.1.2.1. Decreto nº 963, 14.03.22, que estabelece regras e diretrizes para a atuação de agente de contratação, de equipe de apoio, da comissão de contratação e dos gestores e fiscais de contratos;

4.1.2.2. Decreto nº 964, 14.03.22, que designa agentes públicos para atuação como agentes de contratação, equipe de apoio, membros da Comissão de Contratação e componentes do órgão de assessoramento jurídico;

4.1.2.3. Decreto nº 965, 14.03.22, que estabelece o enquadramento dos bens de consumo nas categorias de qualidade comum e de luxo;

4.1.2.4. Decreto nº 966, 14.03.22, que dispõe sobre os procedimentos para aplicação das sanções previstas na Lei federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021, aos licitantes e contratados pelas infrações administrativas;

4.1.2.5. Decreto nº 967, 14.03.22, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços.

                        4.1.3.   Governo do Estado do Paraná

4.1.3.1. Decreto nº 10.086, de 17.01.22, que regulamenta a Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública estadual, direta, autárquica e fundacional do Estado do Paraná.

*Ariston Araújo é advogado especializado em Licitações e Contratações Públicas