*Marcelo Bareato
Num cenário digno de filme de ficção científica, atualmente mais de 300 agentes entre policiais de Goiás, Brasília e Força Nacional, vários cães farejadores, invasão, brutalidade e destruição do patrimônio alheio por agentes públicos que invadem as casas da região de Cocalzinho de Goiás no afã da captura de Lázaro, um criminoso até então do tipo por comum, ganha as telas dos celulares, das televisões, dos noticiários com repórteres 24 horas, numa façanha que ultrapassa 12 dias de infrutíferas perseguições.
Dono de um currículo razoável, mas sem qualquer visibilidade até ganhar as redes sociais e virar atração, Lázaro, nasceu na Bahia e fez a sua primeira vítima fatal aos 20 anos de idade, chegou a ser preso por três vezes e fugiu em todas elas. Em sua folha de antecedentes estão assassinatos, estupros, porte ilegal de armas, sequestros e roubos.
Sua notoriedade começa com o assassinato de um casal e dois filhos em Ceilândia, no Distrito Federal, em 9 de junho de 2021, uma quarta-feira, também sendo- lhe atribuída a morte de um caseiro na região onde se encontra atualmente foragido, Cocalzinho/GO, quatro dias antes.
De lá para cá, sem ter conhecimento de sua proeza na medida em que está escondido na mata, já recebeu a atenção do Secretário de Segurança Pública de Goiás, para quem “Ele não tem o menor valor à vida dele nem à de ninguém. É um psicopata”. Em outra passagem, o Presidente da República “Aos policiais que estão na captura do marginal Lázaro, que tem levado o terror ao entorno de Brasília, sabemos que esse bandido tem certa prática de andar na mata sem deixar vestígio, mas sabemos que nossos policiais, além da coragem, são tenazes e não descansarão enquanto não cumprirem essa missão. Boa sorte a todos vocês e tenho certeza que brevemente o Lázaro estará, no mínimo, atrás das grades”.
O ponto, meu Caro Leitor, é que para além da exibição do “poder bélico” goiano, o gasto operacional com o deslocamento das equipes a que o estado chama de “especializadas”, outra realidade não há que entender que são policiais urbanos, bem intencionados, mas sem nenhuma experiência em resgate no cerrado e muito menos ostentam uma forma física que possa fazer frente ao preparo de Lázaro.
O foragido, que de preso comum não tinha nada, é mateiro e em 2013 teve elaborado em seu desfavor um laudo psicológico onde fora apontado como “um psicopata imprevisível”, acostumado a andar e dormir no mato.
Não menos importante, precisou estar nos noticiários para que tivesse sua condição pessoal exposta e fosse comparado com vários outros foragidos da justiça brasileira e mundial. Criaram-se “memes”, pessoas passaram a orar por sua vida, outras desejam sua morte acima de tudo e por essa intenção criam bolsas de apostas, mas, seja lá como for, importa saber a realidade dos fatos e o que está por vir, caso Lázaro Barbosa seja capturado.
O primeiro ponto a ser observado são as consequências da declaração de psicopata, atribuída a Lázaro.
No sentido mais comum, existem várias espécies de psicopatia, as quais estabelecem um comportamento mais ou menos agressivo ao agente: os hipertímidos; os depressivos; os inseguros; os fanáticos; os necessitados de estima; os de humor instável; os explosivos e os desalmados.
Em qualquer deles, atribuir a uma pessoa o perfil de psicopata impõe indicar tratar-se de pessoa fria e calculista que quando não atinge seus objetivos pode tornar-se agressiva e impulsiva, embora, como regra, seja metódica e manipuladora.
Por definição, trata-se de um indivíduo clinicamente perverso, com distúrbios mentais graves que afetam a sua forma de interação social fazendo com que seu comportamento seja irregular e antissocial.
Dito isso, para essas pessoas, o direito reserva o que chamamos de pena reduzida (apenas quando não for detectado caso grave de psicopatia), entendendo que são semi-imputáveis (aqueles que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não eram inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarem-se de acordo com esse entendimento), ou medidas de segurança previstas nos artigos 26, 96 a 99 do Código Penal (além de diversas outras previsões na legislação especial).
Os destinatários das medidas de segurança são pessoas para as quais, por sua periculosidade (potencialidade para prática de ações lesivas), não existe a possibilidade de manutenção em estabelecimentos prisionais comuns e devem, desde o momento da constatação da ausência de imputabilidade plena (inimputável é o agente não culpável, seja por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, aquele que ao tempo da ação ou omissão, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento), serem direcionadas para hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado.
Lázaro já havia sido diagnosticado como psicopata imprevisível, o que lhe garantia a colocação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico por tempo igual a maior pena prevista para o crime praticado, internação esta que lhe obrigaria a tomar remédios compatíveis com o seu quadro clínico, na perspectiva de mantê-lo ajustado ao ambiente e sem oferecer perigo aos demais.
Seguindo esse raciocínio, jamais deveria estar em estabelecimento prisional comum, como era o caso do presídio de Águas Lindas de Goiás, sistema de encarceramento precário, de onde ele e mais quatro pessoas fugiram pelo teto do prédio. Nota a ser registrada é que dentre os foragidos, somente ele não foi recapturado.
Vemos, pois, que o preço a pagar quando o Estado e a Justiça resolvem negligenciar a lei é por demasiado alto, além de trazer consequências desastrosas. Lázaro devia estar em cumprimento de medida de segurança e, caso venha a ser recapturado, deverá ser direcionado a uma medida de segurança, única forma de sanção penal possível para casos como o dele.
Destarte, se levarmos à luz do direito, não pode passar desapercebido:
1) – Lázaro foi diagnosticado como portador de psicopatia severa, logo deveria ter sido submetido a medida de segurança, estar medicado e controlado em estabelecimento adequado; 2) – ao ser encarcerado em estabelecimento prisional precário, fugiu e continuou praticando crimes, os quais podem ser atribuídos ao Estado por ter negligenciado o dever de cautela, não só para proteger a sociedade, mas também frente a inimputabilidade de Lázaro; 3) – para além dos crimes e mortes, o Distrito Federal e o Estado de Goiás, mostraram-se incompetentes para localização e prisão de Lázaro, enviando força policial inadequada e gastando erário público em grandes proporções, além de desfalcar a segurança pública em seus respectivos territórios; 4) – seja qual for o resultado, captura ou morte de Lázaro, a única mensagem a ser recebida por todos os espectadores será de um judiciário ineficaz (em condenar a pena quem deveria estar em medida de segurança), incompetente (por não fiscalizar o cumprimento da reprimenda e o estabelecimento onde o encarcerado estava) e permissivo (com a caçada de tamanha proporção a um inimputável de sua responsabilidade solto e perigoso podendo ocasionar outras vítimas, mas sem qualquer manifestação de respeito para com a sociedade, no sentido de assumir os erros cometidos); 5) – de um secretário de segurança pública no Estado de Goiás que, mesmo sabendo ser incompetente para a captura, gasta o erário público por mais de 12 dias, proporcionando um espetáculo circense de enormes proporções, em uma disputa, agora pessoal, ao invés de solicitar a ajuda dos especialistas para um caso como esse (forças armadas), já que, para além de uma prisão ou um ponto de vista, está em jogo a entrada forçada em casas de civis amedrontados, a truculência de uma polícia despreparada e a possível morte de pessoas inocentes, as quais Lázaro pode vitimar em sua fuga na busca de liberdade.
Finalizamos nosso artigo sobre o Famigerado caso de Lázaro Barbosa com a perspectiva de que saibamos distinguir o joio do trigo, aprendamos olhar o que está ao nosso redor para além da possibilidade do próximo seriado sobre crimes e criminosos a ser exibido na televisão, cobremos de quem gasta nosso dinheiro arrecadado através de impostos cada vez mais caros e desviados de sua finalidade originária para patrocinar espetáculos dessa magnitude, uma postura mais ética e, entendamos, como já nos ensinava o filósofo Aristóteles: “Assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos”.
*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Advogado Criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).