Acidentes em rodovias com pedágio: em quais casos a concessionária deverá ser responsabilizada?

Ana Paula Dias Ribeiro*

Segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), houve um aumento de 14,6% no número de acidentes ocorridos nas rodovias concedidas à iniciativa privada no Brasil em 2023. Foram contabilizados 76.637 acidentes, com 39.786 pessoas feridas e 1.908 mortas.

Apesar de alarmantes, essas estatísticas devem provocar não somente a autorreflexão dos condutores pela observância das regras de segurança no trânsito, mas também o seguinte questionamento: as concessionárias de rodovias podem ser responsabilizadas pela ocorrência de acidentes no perímetro de sua incumbência?

A resposta é sim.

Ainda que os serviços de transporte rodoviário interestadual e sua respectiva exploração direta competem à União, o ente pode delegá-los à iniciativa privada por meio de autorização, permissão ou concessão (método mais usual neste caso). Para fins de melhor compreensão, as empresas para as quais é concedida a exploração do serviço público são denominadas de concessionárias.

Embora os serviços públicos sejam estigmatizados como de baixa qualidade, fato é que as concessionárias de rodovias devem zelar atentamente pela segurança de seus usuários, e as boas condições de trafegabilidade das vias. Isso, porque, segundo o artigo 37, §6º, da Constituição Federal, as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos poderão ser responsabilizadas pelos danos que causarem a terceiros.

Porém, para todo e qualquer infortúnio ocorrido em rodovias “pedagiadas”, deve a concessionária ser responsabilizada? Nem sempre.

A expressão “responder por danos causados” é o que denominados de responsabilidade civil. Trata-se, nas lições de Daniel Carnacchioni, “a consequência de algum fato”. Essa responsabilidade surge quando alguém pratica ato, comissivo ou omissivo, que viola norma ou dever legal, e em decorrência disso, causa danos a outrem.

Em pormenores, precisamos da existência de quatro pressupostos para que esse dito alguém responda pelos danos que causou, ao se tratar de um contexto genérico. São eles: (i) uma ação ou omissão; (ii) culpa; (iii) existência de um dano; e (iv) nexo de causalidade entre a ação/omissão do agente e o dano.

Analisemos a seguir cada um deles, com enfoque nas concessionárias de serviços de transporte rodoviário.

No tocante ao pressuposto “ato/omissão” são passíveis de responsabilização quaisquer danos aos usuários decorrentes de atos, omissões ou erros na execução/manutenção de projetos e serviços que garantam seguridade no exercício do direito de trânsito (conforme interpretação extensiva do art. 1º, §3º, do Código de Trânsito Brasileiro).  Noutros termos, a concessionária de rodovias, mediante contraprestação recebida via pedágio, deve assegurar as condições de trafegabilidade e de segurança da via, que inclui: manutenção asfáltica, retirada de objetos indesejados na pista que podem causar acidentes, sinalização apropriada, entre outras medidas. Sendo assim, a eventual existência de buracos na pista ou a aparição de animais silvestres são exemplos de omissão específica, pois não foi observada a obrigação legal de zelar pela segurança, conservação e dirigibilidade das vias.

Em relação ao pressuposto da culpa, às concessionárias de serviços públicos, embora pessoas jurídicas de direito privado, o Superior Tribunal de Justiça deu diferente tratamento: para elas, a responsabilidade civil será objetiva, ou seja, na análise dos casos em que usuários sofreram danos durante a prestação do serviço, é dispensável analisar se houve dolo ou culpa do agente causador do prejuízo.

Sobre esse precedente, há decisões que fundamentam a responsabilidade objetiva das concessionárias tanto no art. 37, §6º, da Constituição Federal, como no Código de Defesa do Consumidor. Assim, numa única ocasião, duas relações coexistem: a relação afeta ao direto administrativo, em que se tem de um lado uma concessionária de serviços públicos, e de outro, o usuário; e a relação consumerista, protagonizada pelo fornecedor e consumidor.

Inclusive, a jurisprudência entende que não somente aqueles que pagam o pedágio são salvaguardados pela responsabilidade civil, mas todas as vítimas do evento danoso, com amparo no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, o qual diz que “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

O dano, por sua vez, pode ser material, ou seja, aquele afeta o patrimônio do ofendido (avarias no veículo, por exemplo); ou pode ser imaterial – noutros termos, é a lesão a direitos desprovidos de valor econômico, tais como a honra, a imagem, a saúde, entre outros; que causará ao ofendido dor, sofrimento, angústia, humilhação e vexame.

Por fim, o pressuposto do nexo de causalidade trata-se de vínculo entre a ação/omissão e o dano. Por exemplo, em caso de acidente de trânsito, não pode a concessionária ser responsabilizada pela existência de buraco na pista, quando o que deu causa ao abalroamento foi única e exclusivamente a alta velocidade dos condutores e o desrespeito às sinalizações da via. Nesse caso, a existência de danos é indubitável, porém, o buraco, embora sintoma de omissão da concessionária, não foi o causador do acidente, logo, inexiste nexo causal entre os elementos acima descritos, de sorte que a responsabilidade deve ser afastada.

Contudo, para além do enquadramento dos acidentes aos pressupostos da responsabilidade civil, é necessário analisar se os eventos danosos ocorridos nas rodovias possuem conexão com a atividade desempenhada pelas concessionárias de rodovias, que é a manutenção e administração das estradas. Isso é dito porque, ainda em 2022, o STJ julgou se a concessionária deveria ser responsabilizada ou não pela ocorrência de roubo, com emprego de arma de fogo, cometido em via de sua incumbência, contra usuários da rodovia que aguardavam na fila do pedágio.

O entendimento da Terceira Turma da Corte Superior (REsp 1872260/SP) seguiu no sentido de que “não há como responsabilizar a concessionária de rodovia pelo roubo com emprego de fogo”, eis que o ocorrido “não apresenta qualquer conexão com a atividade desempenhada pela recorrente, estando fora dos riscos assumidos na concessão da rodovia”.

Embora aparentemente simples, dado o reduzido número de pressupostos, a análise do dever de indenizar deve ser feita caso a caso, mormente quando, por exemplo, há fatores que afastam a responsabilidade, tais como o caso fortuito (externo), a força maior, e a culpa exclusiva da vítima. Por isso, caso você tenha sofrido um acidente automobilístico ou outro evento danoso em rodovias pedagiadas, e necessite de reparação, consulte um advogado de sua confiança.

*Ana Paula Dias Ribeiro é advogada associada ao GMPR Advogados, com atuação no contencioso cível, especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil.