A homologação da sentença estrangeira no caso do ex-jogador Robinho e os perigos advindos do direito midiático

Marcelo Bareato*

A recente onda de jogadores envolvidos em casos de agressões sexuais dentro e fora do Brasil nunca esteve tão em evidência, como os casos de Daniel Alves, Neymar, Bruno, Ronaldinho Gaúcho, entre outros. O mais recente e talvez o mais destacado é o caso do ex-jogador Robson de Souza, conhecido como Robinho, que foi condenado em 2017 pelo Tribunal de Milão por participar, juntamente com outros cinco homens, de um estupro coletivo a uma mulher albanesa em uma boate de Milão, em 2013. Por essa razão, a pena atribuída a ele foi de nove anos de prisão.

Quando condenado, Robinho já estava residindo no Brasil. O governo italiano, valendo-se do tratado de extradição entre Brasil e Itália assinado em 1993, solicitou sua entrega para que cumprisse a pena no país onde a decisão foi proferida. No entanto, a defesa rebateu o pedido com base no artigo 5.º da Constituição Federal, inciso LI, que estabelece que “nenhum brasileiro será extraditado, exceto em casos de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, conforme a lei”.

Assim, sem que houvesse a possibilidade de extradição, em fevereiro de 2023, o governo italiano ingressou junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) com pedido para que a sentença estrangeira fosse homologada no Brasil, com base no artigo 9.º do Código Penal. Este artigo prevê que a sentença estrangeira pode ser homologada no Brasil quando a aplicação da lei brasileira produzir as mesmas consequências, permitindo assim obrigar o condenado à reparação do dano, restituições e outros efeitos civis, ou sujeitá-lo a medida de segurança. A homologação depende da existência de tratado de extradição com o país de origem da sentença ou de requisição do Ministro da Justiça.

Art. 9º – A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;   (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II – sujeitá-lo a medida de segurança.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único – A homologação depende: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

  1. a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
  2. b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

O julgamento do pedido feito pelo governo italiano está marcado para o próximo dia 20 de março no STJ, onde um colegiado composto por 15 ministros (dos 33 que compõem o Tribunal) avaliará apenas os requisitos formais da sentença para conferir sua validade no território nacional, o que pode implicar na prisão de Robinho.

A decisão do STJ poderá ser contestada por meio de embargos de declaração, caso haja contradições, obscuridade ou omissões. Além disso, Robinho poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal em caso de ofensa à Constituição Federal.

Se a condenação for mantida e validada, o processo será encaminhado à Justiça Federal da região onde Robinho reside para formação do processo e execução da pena, que, neste caso, como é superior a 8 anos, provavelmente resultará em regime inicial fechado.

O grande problema reside na cobertura midiática intensa desse julgamento, que está sendo amplamente divulgado por todos os meios de comunicação, inclusive será televisionado pelo canal do STJ no YouTube. Nesse passo, quando a imprensa retrata alguém como agressor ou criminoso, isso muitas vezes influencia a opinião pública, criando um clamor por justiça. Esse clamor público pode pressionar os tribunais a decidirem de acordo com a vontade popular, às vezes sem uma análise aprofundada do caso.

Essa pressão midiática, por sua vez, pode levar a decisões baseadas mais em opiniões públicas do que na lei vigente, resultando em recursos e atrasando o cumprimento da pena. Além disso, pode gerar insegurança jurídica ao contaminar o processo judicial com influências externas, prejudicando a imparcialidade e a aplicação justa da lei.

Em resumo, a atenção excessiva da mídia a casos judiciais pode distorcer a justiça, comprometendo a integridade do sistema legal e causando danos à soberania do país. É essencial que os tribunais decidam com base na lei e em evidências, sem ceder à pressão midiática ou popular, pois do contrário, corremos o risco de permitir que se instale o caos e a total insegurança jurídica, na medida em que os destinatários, ao seu turno, depois de ditarem regras de vingança, não tenham mais parâmetros para fazer valer seus direitos perante àqueles que devem aplicar a lei, sem qualquer subterfugio ou “válvula de escape”, como ocorre com as jurisprudências, intencionalmente lotadas de achismos e representatividade popular.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Advogado Criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).