A pandemia passou, mas seus efeitos continuam para os servidores públicos

Luiz Carlos Cézar Ferreira*

Os servidores públicos ainda continuam sofrendo com os efeitos da pandemia. Durante o ano de 2020 até 2022, foram publicados vários decretos municipais e estaduais contendo gastos com a folha de pagamento.

E por mais que a pandemia tenha passado, os seus efeitos não. Vários servidores deixaram de ter progressões na carreira, acréscimo de quinquênio e outros benefícios previstos em lei por decretos impeditivos publicados pelo Executivo.

Umas das justificativas usadas pelos Entes Públicos para o “congelamento de benefícios” é a Lei Complementar n. 173 de 2020 – Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) –, sendo abordado em seu artigo 8º a suspensão da concessão a qualquer título de vantagem, aumento, reajuste ou qualquer outro aumento que acarrete gasto com pessoal durante esse período de calamidade pública.

Com efeito, a Lei Complementar n. 173 de 2020, que alterou as disposições LC 101 de 2000, em especial seu artigo 65, instituiu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus a qual os Entes Federados poderiam aderir mediante o cumprimento de alguns requisitos. Assim, somente após a consecução dos preceitos da norma federal, seria possível receber repasses voluntários da União, na forma de auxílio financeiro em ações de enfrentamento ao Covid-19, conforme disposição do artigo 1º, §1º, inciso III da normativa.

Vários Municípios Goiano fizeram uso da verba federal para suportar o período pandêmico, contudo sem publicação de lei para regulamentar as suspensões de benefícios que acarretasse aumento de receita.

A Justiça Goiana tem entendimento ainda muito controvertido, ao passo que há julgados no sentido de ser legal a suspensão da contagem de prazo, uma vez que já foi decidido no Supremo Tribunal Federal através do RE 1.311.742/SP quanto à legalidade do ato, traduzindo-se em verdadeira alternativa tendente, por um tempo, alcançar o equilíbrio fiscal e combater a crise encaminhada pela pandemia. Nesse sentido, foi firmado a seguinte tese: É constitucional o artigo 8º da Lei Complementar 173/2020, editado no âmbito do Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19).

Já em outros casos, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás menciona a faculdade da aplicação da referida Lei Federal conforme próprios precedentes da Corte Suprema (ADIs 6.442, 6.447, 6.450 e 6.525), sendo necessário lei municipal ou estadual prevendo o congelamento.

Mesmo antes da pandemia, os Entes Públicos, em especial os Municípios, vinham publicando decretos suspendendo gastos visando dar cumprimento aos limites fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal considerando a necessidade de adequação financeira com a realidade das despesas e valores das receitas efetivas e cumprindo com as metas fiscais estabelecidas anualmente.

Contudo o Judiciário Goiano pacificou o entendimento que o mero pretexto de limitação orçamentária não seria suficiente para afastar a lei, até porque o Ente tem que se adequar no exercício fiscal seguinte levando em consideração os gastos das promoções dos servidores, além de mero decreto não poder obstar os efeitos da lei.

Paralelamente, podemos aplicar o mesmo raciocínio para não aplicação da suspensão de benefícios aos servidores durante a pandemia. Por mais que tenha decreto federal prevendo o congelamento, não podemos perder de vista a tão importante hierarquia das normas.

Com falta de edição de lei, simples decreto não pode conter a aplicação de direitos subjetivos anteriormente previstos, como por exemplo: progressões, quinquênios e outros benefícios que dependa apenas do tempo de efetivo exercício.

Partindo para o lado legalista, o fato do judiciário intervir e determinar o pagamento ou o cumprimento de alguma obrigação de fazer, não significa invasão de competência, pelo contrário, apenas traz a satisfação de direito previsto em lei.

Com o fulcro de unificar o entendimento, foi instaurado o Incidente Resoluções de Demandas Repetitivas – IRDR pelo Superior Tribunal Federal, para definir a ilegalidade na postergação de progressão quando alegado limitação orçamentaria, mesmo cumprido os requisitos exigidos em lei, usando os processos paradigmas, Recursos Especiais n.s 1.878.849/TO, 1.878.854/TO e 1.879.282/TO (TEMA 1075 do STJ).

Para ilustramos e demonstrar a legalidade da interferência do judiciário ao fiel cumprimento da lei, cito a problemática da data base que deveria ser concedida todos os anos.

A data base nada mais é que uma correção do salário que deveria ser concedida anualmente, sendo normal a atualização para funcionários do âmbito privado. Vários Entes para evitar a extrapolação do teto de gasto ficavam alguns anos sem conceder a benesse, e com isso, nascia várias ações judiciais para discutir e cobrar o percentual do período em que ficaram sem receber, tendo em vista que é direito constitucional, conforme preceitua o artigo 37, inciso X.

Em todo o Brasil, havia grande controversa se o judiciário poderia ou não invadir competência alheia para suprir a omissão de decreto e conceder o percentual com base na inflação e com tal divergência vários servidores foram prejudicados.

O STF pacificou o entendimento através do tema n. 315 no seguinte sentido: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem a função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.

Em seu voto o Ministro Gilmar Mendes cita a lição do renomado professor Hely Lopes Meirelles, que, ao tratar de reajuste de servidores e princípio da isonomia, defende: Em qualquer das hipóteses – aumento impróprio e reestruturação – podem ocorrer injustiças, pela inobservância do princípio da isonomia, tal como explicado acima. Nesse caso, porém somente a lei poderá corrigi-las, pois qualquer interferência do Judiciário nesta matéria constituiria usurpação de atribuições do Legislativo. Findando assim na Súmula 339 que foi convertida na Súmula Vinculante n. 37.

Portanto, nesse caso que depende exclusivamente do Ente para concessão de reajuste, o judiciário de fato não pode intervir devendo respeitado o artigo 2º da Magna Carta e na existência de lei e omissão no cumprimento, o servidor poderá pleitear seus direitos.

Assim concluímos que inexistindo norma local que regulamente a aplicação da Lei Federal, os servidores não podem ser prejudicados por omissão na publicação da Lei para contenção de gastos devido a pandemia e é imposição a aplicação do dispositivo legal que traz os benefícios aos servidores públicos não se confundindo em invasão de esfera alheia.

*Luiz Carlos Cézar Ferreira é vice-coordenador do Núcleo de Direito Público do IEAD, advogado no escritório RCA Advogados com atuação referente aos servidores públicos.