A fuga da prisão de Mossoró e o debate acerca da privatização de prisões no Brasil

Caio Naves*

A fuga dos detentos Rogério Mendonça e Deibson Nascimento foi uma das notícias de maior repercussão neste início de 2024. Os criminosos conseguiram escapar da penitenciária federal de Mossoró (RN) em 14 de fevereiro (2024) com um plano astuto através das luminárias das celas em que estavam contando também com a deficiência estrutural da prisão, que possuía câmeras de baixa resolução, além da existência de obras em andamento nas instalações do presídio que facilitaram o ocorrido.

Os detentos estavam na prisão de segurança máxima em razão de condenação a 81 anos por tráfico de drogas, roubo e organização criminosa (Deibson) e 74 anos por tráfico de drogas, roubo, organização criminosa e homicídio (Rogério).

Após 50 dias de buscas, os detentos condenados foram encontrados na cidade de Marabá (PA), cerca de 1.600 km de Mossoró (RN), onde estavam reclusos até então. Juntamente da captura houve a demissão do diretor da Penitenciária Federal, Humberto Gleydson Fontinele Alencar, que já estava afastado do cargo desde a fuga.

O processo de recaptura dos detentos deixou um prejuízo enorme aos cofres públicos, considerando que mobilizou aproximadamente 500 agentes, além do valor estimado de 6 milhões de reais, distribuídos especialmente entre Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Força Nacional e Força Penal Nacional, com diárias, passagens, combustível, operações aéreas e gastos de outras naturezas.

A fuga em Mossoró (RN) fez aquecer a discussão, ainda latente, a respeito da privatização de presídios no Brasil. Sem entrar no mérito da possibilidade jurídica de viabilizar o acompanhamento da execução penal com participação de empresas privadas no sistema brasileiro, esta é uma pauta recorrente diante da superlotação dos presídios e a evidente incapacidade de recuperação dos presos.

Uma semente do que poderia ser chamado de privatização é o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) criado através da Lei nº 13.334/2016 com a finalidade de ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada, por meio da celebração de contratos de parceria e de outras medidas de desestatização. Particularmente sobre a segurança pública, o programa conta com projetos para aperfeiçoamento, como a construção, modernização e operação de unidades prisionais.

Apesar da própria iniciativa governamental do programa, o atual Ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, teceu críticas à iniciativa, tendo afirmado que a privatização de presídios e espaços socioeducativos permite a infiltração do crime organizado, além de não ter tido êxito em qualquer lugar do mundo. A entrevista foi dada em 02 de fevereiro (2024), antes mesmo da fuga da prisão de Mossoró (RN).

A privatização de presídios ao redor do mundo tem maior expressão com o sistema norte-americano e o sistema francês.

O modelo norte-americano, mais liberal, adota uma gestão privada do sistema penitenciário em que se transfere o controle total da execução penal para as empresas. Nos Estados Unidos o ente privado detém competência desde a formulação de projetos dos presídios até o gerenciamento da custódia dos presos, com o controle das ligações/telefonemas, alimentação e outras questões práticas. Com experiência na privatização de penitenciárias desde os anos 80, os EUA firmam contratos que geralmente estabelecem um valor fixo por preso, além da quantidade mínima de população carcerária.

O modelo francês, por sua vez, possui uma estrutura menos permeável ao controle particular, em que há uma gestão estatal das penitenciárias, mas com participação da iniciativa privada. Neste caso, as empresas privadas assumem papeis como a alimentação dos presos, a limpeza do estabelecimento prisional e outras questões não afetas ao exercício do poder de polícia exercido pelo Estado.

Analisando o comportamento mundial do sistema penitenciário não há como deixar de questionar se a privatização traria ou não benefícios ao Estado brasileiro, especialmente considerando o contexto em que é retratada diariamente a realidade dos encarcerados. Apesar desta reflexão, é certo que, em um contexto de privatização, no caso de Mossoró (RN), haveria responsabilização da empresa gestora da penitenciária pela fuga dos detentos, especialmente com a cobrança de indenização aos cofres públicos pelos gastos com a captura.

*Caio Naves é advogado.