A capitalização informal de sócios

*Leonardo Honorato Costa

Os reflexos econômicos da pandemia e a propagada dificuldade de obtenção de créditos e recursos perante terceiros, potencializaram uma prática cujos contornos há tempos necessitam ser melhor delineados: a capitalização da sociedade por parte dos sócios.

Ao se depararem com a estiagem das contas bancárias da sociedade, confiantes, por outro lado, no soerguimento próximo do negócio, não raro os sócios servem-se de socorro imediato às respectivas sociedades. O fazem, no entanto, sem qualquer observância às formalidades que lhes seriam exigíveis, não se atentando às severas consequências de tal informalidade.

Em uma primeira situação, pode um sócio capitalizado, ao ver o vencimento de uma obrigação da sociedade e a falta de recursos desta para honrá-la, efetuar o seu pagamento de sua conta pessoal, muitas vezes à revelia dos demais sócios. A recorrência de tal situação pode configurar uma indesejável confusão patrimonial, acarretando implicações tributárias e, com mais razão, exposição do patrimônio pessoal do sócio pelas dívidas sociais, conforme artigo 50, §2º, do Código Civil.

O próprio ressarcimento ao sócio capitalizado poderá, caso haja resistência dos demais, se tornar dificultoso, uma vez que o instituto da sub-rogação (aplicável a quem paga dívida de terceiro) ou exige que se trate de dívida comum (sub-rogação legal) ou que haja disposição expressa (sub-rogação convencional).

Fato é, porém, que desejavelmente o instituto da confusão patrimonial (com suas nefastas consequências) têm sido difundido entre os empresários, que, cada vez mais, o têm evitado.

A maior recorrência, assim, quanto à capitalização informal por parte de sócios, diz respeito à situação em que o sócio capitalizado injeta recursos nas contas da sociedade, para que as obrigações sejam por ela diretamente pagas. É aqui, portanto, que esta breve análise pretende fazer os maiores destaques.

Essa capitalização, por óbvio, necessita ser formalizada e os meios usuais de se fazê-lo é mediante: (i) Aumento de Capital (artigo 1.081 do Código Civil); (ii) Mútuo (artigo 586 do Código Civil); ou, em meio termo a essas usuais opções, (iii) Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC), que poderá, no futuro, ou ser convertido em aumento de capital, ou restituído ao sócio em formato de Mútuo.

O Aumento de Capital, no entanto, necessita ser aprovado em deliberação de sócios, não sendo essa, por tal motivo, a prática mais visualizada no mercado (cujos sócios injetam dinheiro nos cofres da sociedade sem qualquer formalidade, equivalência ou cuidado). O mesmo ocorre com o Mútuo, que necessitaria ser previamente formalizado via contrato, com regras claras quanto a prazos, remuneração e todas as especificidades deste instituto – ou, ao menos, seria recomendável que assim fosse feito.

No dia a dia empresarial, porém, a maioria dos sócios não realiza a deliberação para Aumento de Capital, assim como não formaliza qualquer Contrato de Mútuo, injetando informalmente recursos na sociedade sem qualquer discussão e sistematização.

Quando indagados, a resposta é quase unânime: “são aportes”.

Sentem-se, portanto, mais sócios do que aqueles que não fizeram o mesmo “sacrifício”, como se, pelo simples fato de injetar o recurso, a diluição da participação societária do sócio não capitalizado fosse imediata. Mas não é!

Aqui, nesse ponto, uma problemática que poucos têm compreensão: qualquer integralização de recurso no capital social, mesmo o AFAC, exige a deliberação de sócios e a aprovação de, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) do capital social, de modo que, caso o sócio capitalize, por conta própria, recursos em uma sociedade, sua futura conversão em Aumento de Capital exigirá a concordância de 75% (setenta e cinco por cento) do capital social.

Sem essa concordância, os valores injetados não são revertidos como aumento de capital e, portanto, não haverá diluição da participação dos demais sócios. Há que se ressaltar, inclusive, que é recomendável que, mesmo com a aprovação como aumento, seja possibilitado aos demais sócios que integralizem proporcionalmente a sua quota parte, no prazo de 30 (trinta) dias, evitando, assim, sua diluição.

Há mais empecilhos quanto a essa injeção de recursos de modo informal com expectativa de aumento de participação societária: há um controvertido (e até contornável) entendimento de que os recursos precisam ser revertidos em aumento de capital até a próxima alteração do contrato social ou, alternativamente, no prazo de 120 (cento e vinte) dias do encerramento do período base em que a sociedade recebeu os recursos, sob pena de conversão em Mútuo.

Pior: não aprovado o Aumento de Capital, poderá haver discussão sobre a forma de restituição aos sócios, uma vez que não houve tal pactuação prévia. Juros serão discutíveis. Prazos serão discutíveis. A discordância entre os sócios, assim, poderá ser absolutamente prejudicial à devolução dos valores ao sócio que promoveu a capitalização.

Exorta-se, por todos esses motivos, aos empresários que busquem regras de Compliance Societário, evitando “aportes” informais, sempre prevendo, antes da injeção de recursos, as regras com as quais serão vertidos ou, alternativamente, resgatados, servindo, sim, em socorro à sociedade, mas sem, com isso, adquirir, para si, as dores de cabeça que visaram curar!

*Leonardo Honorato Costa é advogado e árbitro em Direito Empresarial; Master of Laws em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro (FGV/RJ);  Pós-MBA em Governança Corporativa e Compliance pela Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro (FGV/RJ); e professor de Direito Empresarial.