A importância do consultivo trabalhista face às novas legislações trabalhistas decorrentes da Covid-19

Dois dedos de prosa: duas dicas sobre a importância do consultivo trabalhista face às novas legislações trabalhistas decorrentes da Covid-19 é o tema da coluna de hoje. Ele será abordado pelo colega Ramiro de Castro Howes. Ele sócio do escritório Cruvinel, Howes e Warzocha Advogados Associados. Professor de pós-graduação e MBA com aulas em vários Estados do país. Professor de cursos preparatórios para OAB e concursos públicos. Aprovado em 5 concursos de TRT’s, nos cargos de técnico judiciário, analista judiciário e analista oficial de justiça avaliador. Especialista em direito do trabalho e processo do trabalho; e especialista em direito civil e processo civil.

Confira a íntegra o artigo abaixo:

Ramiro de Castro Howes

Dois dedos de prosa: duas dicas sobre a importância do consultivo trabalhista face às novas legislações trabalhistas decorrentes da Covid-19.

  1. INTRODUÇÃO

Malgrado o presente artigo seja disponibilizado no Rota Jurídica, portal com enfoque jurídico, o desiderato deste texto é apontar aos colegas advogados a importância de suas expertises em relação à hermenêutica da Medida Provisória 1.045/2021 e da Lei nº. 14.151/2021. Com efeito, buscamos indicar algumas teses que podem suscitar debates e que dependem de uma análise jurídica técnica para que eventuais clientes tenham ciência dos riscos decorrentes da adoção de alguns dos dispositivos das referidas normas.

Em relação à prevenção de riscos, temos que o consultivo trabalhista é fundamental. Ou seja, as empresas que quiserem evitar possíveis passivos trabalhistas devem obrigatoriamente buscar o amparo de um advogado e/ou escritório especializado. De outra sorte, os riscos doravante indicados também podem servir de teses jurídicas a advogados especializados que labutam em prol de direitos trabalhistas do trabalhador.

Estabelecidos estes parâmetros exordiais, passaremos a adotar uma linguagem mais informal no afã de que este texto seja de fácil compreensão não apenas ao meio jurídico, mas principalmente àqueles que buscam a orientação de um advogado.

  1. RISCOS DECORRENTES DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.045/2021

No mês de abril de 2021 tivemos a publicação das Medidas Provisórias 1.045 e 1.046 que, em suma, estabelecem medidas para diminuir o impacto do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19 nas relações trabalhistas.

Em relação à Medida Provisória nº. 1.045/2021, tivemos a reedição do Programa de Manutenção do Emprego e Renda, cujos objetivos estabelecidos pelo referido programa cingem-se, nos termos do art. 2º da referida Medida, em: I – preservar o emprego e a renda; II – garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e III – reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Uma das formas que a Medida Provisória trouxa para cumprir sua aspiração na preservação do emprego e renda foi fixar uma garantia provisória ao emprego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda em decorrência da redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho. E qual o risco disso? Vejamos, a par de exemplo, o que dispõe o art. 10, § 1º, III da MP 1.045/2021:

  • 1º A dispensa sem justa causa que ocorrer durante o período de garantia provisória no emprego previsto de que trata o caput sujeitará o empregador ao pagamento, além das parcelas rescisórias previstas na legislação, de indenização no valor de:

III – cem por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual igual ou superior a setenta por cento ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Reparem que destaquei o verbo “teria”. O verbo “teria” é a conjugação do verbo “ter” no futuro do pretérito.

“Ah, pronto! Agora o Ramiro quer dar uma de professor Pasquale.” Não. Nem ouso! Mas advirto que o estudo da língua portuguesa é muito importante. De qualquer forma, o futuro do pretérito tem como uma de suas características expressar incerteza.

Quando lemos que o empregado fará jus a uma indenização de “cem por cento do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego”, sobressai uma dúvida: este empregado teria direito a indenização apenas do período remanescente da estabilidade [1], ou teria direito a todo período de garantia provisória do emprego [2]?

Uma interpretação possível é de que o empregado fará jus a indenização relativa a todo período estabilitário.

Ex: Ramiro trabalha na empresa Gordinho Gostoso ltda. Ele teve seu contrato suspenso por 120 dias. Cumpriu regularmente sua suspensão. Foi demitido sem justa causa no primeiro dia de retorno ao trabalho.

Neste caso, a empresa deverá pagar ao Ramiro uma indenização equivalente a 100% do salário deste pelo período de 240 dias (período total da estabilidade).

Duas teses podem ratificar esta ideia:

1ª) princípio do in dubio pro operário: havendo dúvida sobre como interpretar uma norma trabalhista, adota-se a interpretação mais favorável ao empregado;

2ª) hermenêutica teleológica da legislação: em suma, busca-se interpretar qual seria a vontade do legislador. Bom, a Medida Provisória estudada cuida do Programa de MANUTENÇÃO do emprego e da renda. Ao preconizar a estabilidade, o legislador intenta facilitar ou dificultar a demissão? E qual estabilidade dificultaria a demissão de forma mais ampla? Uma maior ou uma menor?

Deflui disso, que a empresa – principalmente as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – deve ter plena ciência do risco da adoção da suspensão e/ou redução da jornada de trabalho, pois, caso não haja saúde financeira a adoção de uma dessas medidas pode repercutir em um grande passivo trabalhista. E esta visão de possíveis interpretações das normas e riscos, apenas você, advogado, poderá subsidiar ao seu cliente.

  • RISCOS DECORRENTES DA LEI Nº. 14.151/2021

Em 12 de maio de 2021 foi publicada a Lei nº. 14.151/2021, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.

A prima facie, não há grandes complicações hermenêuticas, afinal, temos apenas a consignação da obrigatoriedade de afastamento da empregada gestante de atividades presenciais enquanto durar a pandemia da COVID-19. Mas será mesmo? Façamos uma leitura do art. 1º desta lei:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

A supracitada legislação dispõe que a empregada deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Pensemos em uma caixa de supermercado, por exemplo: como ela poderá desempenhar sua atividade à distância? Talvez o (a) caro (a) leitor pense: “Ah, mas neste caso, basta adotar a suspensão do contrato?”. Será mesmo?

Vejam bem, a legislação dispõe que não poderá haver prejuízo da remuneração. Nos termos do art. 457, caput da CLT, o conceito de remuneração é estabelecido pelo salário devido e pago diretamente pelo empregador como contraprestação do serviço acrescido das gorjetas [3] que o empregado receber de terceiros.

Caso a empresa adira o programa de Manutenção do Emprego e Renda e suspenda esta funcionária, a remuneração dela estará prejudicada, visto que ela irá receber o Benefício Emergencial pago pelo Governo cuja limitação se insere no valor da maior parcela do seguro-desemprego.

Talvez o (a) caro (a) leitor pense: “E se o empregador complementar a renda com a ajuda compensatória mensal prevista no art. 9º, § 1º da MP 1.045/2021?”. Ainda assim a remuneração estaria prejudicada, haja vista que esta ajuda tem caráter indenizatória, não refletindo no FGTS, por exemplo.

Decorre desta análise uma interpretação de que com a edição da Lei nº. 14.151/2021 a adoção do Programa de Manutenção da Renda e Emprego para funcionárias gestantes estaria prejudicada, ainda que a MP 1.045/2021 preveja expressamente a possibilidade de adoção deste programa, em seu art. 10, III, ao dispor do somatório da garantia provisória desta Medida Provisória com a garantia provisória gravídica (art. 10, II do ADCT). Nesta senda, não podemos esquecer que o art. 2º, § do Decreto nº. 4657/1942 preconiza que lei posterior revoga a anterior quando regule matéria de que tratava esta anterior.

Não podemos esquecer, outrossim, do já mencionado princípio do in dubio pro operário que, neste caso, a aplicação mais benéfica à trabalhadora seria a manutenção da remuneração em detrimento a adoção do Programa de Manutenção da Renda e Emprego.

É importante registrar que o autor deste artigo não necessariamente defende esta tese levantada. A meu ver, a lei desconsidera absolutamente a realidade que se vivencia neste país e abusa da alteridade, patrocinando uma ideia equivocada de que “empresa” é sinônimo de “riqueza”. Aliás, por sentimento de justiça tenho tendência a acreditar que eventuais discussões sobre esta temática no âmbito da Justiça do Trabalho não adotarão também esta tese ora levantada.

Entrementes, é importante termos ciência dos riscos para que possamos sempre orientar bem nossos clientes.

[1] Exemplo: O empregado ficou suspenso por 60 dias. Logo, a estabilidade é de 120 dias (60 da suspensão + 60 referente ao seu retorno). Quando este empregado retorna, após os 60 dias de suspensão, ele é demitido sem justa causa. O período remanescente da estabilidade seria de 60 dias, afinal, os 60 primeiros ele já cumpriu na suspensão.

[2] Exemplo: O empregado ficou suspenso por 60 dias. Logo, a estabilidade é de 120 dias (60 da suspensão + 60 referente ao seu retorno). Quando este empregado retorna, após os 60 dias de suspensão, ele é demitido sem justa causa. Todo o período da estabilidade seriam os 120 dias.

[3] Há outras verbas de natureza similares como, por exemplo, as gueltas, mas isso é debate para outro momento.