PEC prevê escolha por concurso para conselheiro do Carf

Agência Senado

Alterações na forma de escolha dos integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foram debatidas nesta quinta-feira (13) em audiência pública no Senado. A base para as discussões foi uma proposta de emenda à Constituição (PEC) do senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), ainda em fase de elaboração, pela qual o colegiado será formado por bacharéis em Direito aprovados em concurso público.

O Carf é vinculado ao Ministério da Fazenda e tem a função de julgar recursos administrativos dos contribuintes contra autuações fiscais da Receita Federal. Após período de recesso para reformas, depois que um grupo de conselheiros passou a ser alvo de investigações sobre vendas de sentenças em favor de empresas, o órgão voltou a funcionar este ano.

O colegiado é composto por 144 conselheiros titulares (antes eram 216), que formam três turmas de julgamento. Permanece, contudo, a tradicional formação paritária, com metade dos membros escolhidos pelo Ministério da Fazenda e a outra metade de representantes dos contribuintes, indicados por categorias econômicas e centrais sindicais de trabalhadores.

A audiência sobre a proposta foi promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Carf, presidida também por Ataídes. Ainda segundo o texto, que motivou opiniões divergentes, os advogados candidatos deverão contar com pelo menos cinco anos de atividade jurídica prévia na área tributária.

Validade federal

Conforme a PEC em estudo, estados, Distrito Federal e municípios deverão adotar também o mesmo modelo de seleção de membros para seus correspondentes órgãos administrativos de julgamento de litígios fiscais. Ao justificar o conjunto de inovações, Ataídes salientou que a CPI, mais do que investigar, deve servir ao debate sobre os rumos do Carf.

— Embora seja positivo que finalmente os holofotes da República estejam voltados para o Carf, onde se concentram conflitos gigantescos entre fisco e contribuintes, é extremamente necessário que esta CPI avalie a utilidade e oportunidade das modificações já realizadas pelo Poder Executivo e proponha novas modificações — comentou.

Mecanismos de controle

O presidente interino do Carf, Carlos Alberto Freitas Barreto, em entrevista após a audiência, admitiu que, por meio de concurso, será possível atrair pessoas qualificadas para julgar os litígios. Na exposição, contudo, não manifestou preferência por qualquer dos modelos e acentuou que o ponto central é que o sistema garanta imparcialidade, neutralidade, transparência e celeridade. A seu ver, isso passa também pela criação de mecanismos de controle.

— Um órgão dessa natureza, sim, deve ser fiscalizado, tem de ter uma ouvidoria, auditoria interna e tem ainda que ter controle externo, deve ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União — defendeu.

Para o advogado tributarista Gustavo Brigagão, o sistema de paridade é capaz de manter a necessária imparcialidade dos processos, com representantes dos dois lados debatendo o conflito. Porém, fez ressalvas à forma de paridade atual e disse que, nessas condições, o concurso público pode ser uma solução mais proveitosa.

— O concurso público, sim, mas com vitaliciedade (dos concursados na função), porque é a única forma de evitar que haja pressão, por parte de quem quer que seja, e o julgamento acabe comprometido.

Vilson Antonio Romero, da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais do Brasil (Anfip), inicialmente repudiou o que que chamou de “esquema criminoso” que teria se instalado no órgão, ainda em investigação. Na avaliação dele, não se pode jogar por terra, “por sentimento de ocasião ou movido pelo escândalo”, a atual estrutura. Lembrou que os conselheiros possuem notório conhecimento e foram selecionados por sua especialização em tributos.

— Entendemos que no momento em que se constituir um quadro próprio [de julgadores, por concurso], e não tivermos mandato fixo, estaremos criando um quadro encastelado para ser um tribunal vitalício — reforçou.

Distorções

Professor da Universidade de São Paulo (USP), o advogado Heleno Taveira Torres salientou que a discussão centrada na reestruturação do Carf, por conta das denúncias de corrupção estimada entre R$ 6 bilhões e R$ 9 bilhões, joga sombra sobre problema muito maior: as distorções e o emperramento no sistema de discussão administrativa e judicial dos tributos, inclusive no sistema de execução fiscal, ou seja, os mecanismos para acionar os devedores quando o Estado ganha a causa na Justiça.

Segundo o professor, no conjunto, o emperramento de todo o sistema impede a recuperação de créditos fiscais que envolvem mais de R$ 2 trilhões, o que equivale a um orçamento público inteiro no passivo tributário identificado. Ele ressaltou que R$ 500 bilhões correspondem aos valores em discussão no processo administrativo.

— Esse é o estoque de recursos que temos, em termos de haveres, para a República Federativa. Nem digo a União, porque são recursos da União compartilhados com estados e municípios — comentou.

Comissão especial

Heleno Taveira Torres defendeu, entre outras medidas, a “erradicação” da Lei de Execuções Fiscais (LEF), a Lei 6.830/1980, a seu ver das “piores possíveis”, por ser incompatível com a complexidade dos tempos atuais do “fisco de massa”. Depois, apelou aos senadores para que seja ampliado o foco do trabalho do Senado, com a criação de uma comissão de especialistas para tratar da reforma do contencioso tributário administrativo e fiscal, ideia bem recebida tanto por Ataídes quanto pela relatora da CPI, senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

O texto da PEC, como previsto por Ataídes, já prevê que o Congresso Nacional produza lei complementar para disciplinar o processo administrativo fiscal aplicável a todos os níveis federativos, o que deverá ocorrer dentro de 90 dias a partir da publicação da emenda, caso venha a ser aprovada.

Além disso, a minuta da proposta altera a competência para julgamento dos recursos judiciais, pela parte vencida, em relação ao contencioso fiscal federal. Depois da decisão do Carf, a parte insatisfeita recorrerá diretamente ao Tribunal Regional Federal, saltando a primeira instância.

Sobre a sugestão do concurso para a constituição dos conselhos de julgamento administrativo dos conflitos fiscais, Vanessa afirmou, ao fim da reunião, que o debate garantiu uma discussão qualificada. Pessoalmente, disse que sua tendência é pelo concurso, mas para seleção de julgadores para mandato temporário. Se não houver adiamento, a CPI deverá debater e votar o relatório da senadora em setembro próximo.

Para Otto Alencar (PSD-BA), a PEC em elaboração deve prever a vitaliciedade dos advogados concursados para compor os conselhos. Participaram ainda dos debates a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) e José Pimentel (PT-CE).