Para juíza, PM não precisa de ordem judicial para entrar em desmanche de carros

A juíza Placidina Pires, da 6ª Vara Criminal da comarca de Goiânia, condenou três homens a 3 anos e 6 meses de reclusão, por crime de receptação qualificada. Ela rechaçou a alegação da defesa de nulidade do processo, por entender que a polícia não precisa de ordem judicial para adentrar residência que funciona para “desmanche” e também para ocultação de veículos roubados.

Aurélio de Jesus Marques e Welder Nunes de Araújo foram flagrados pela Polícia Militar desmanchando uma caminhonete VW Amarok, que tinha sido roubada no dia anterior no município de Itapuranga, de Simei Alves da Costa, além de ocultar o automóvel Ford KA 1.5 SD, branco, de Marina Resende de Faria, também roubado no dia anterior no Jardim Marques de Abreu, em Goiânia, a mando de Ulisses Araújo de Souza Pires, dono de uma loja na Vila Canaã.

Juíza Placidina Pires, titular da 6ª Vara Criminal de Goiânia

A defesa alegou violação de domicílio para pedir a nulidade do processo, mas o imóvel não funcionava propriamente como uma residência, de modo a atrair a proteção constitucional invocada pela defesa, instituída para assegurar a inviolabilidade da moradia do indivíduo, como expressão do direito à privacidade, mas sim como um “desmanche” de veículos roubados.

No entendimento da magistrada, “inexiste ilegalidade ou nulidade na realização de diligências por parte da Polícia Militar com a finalidade de averiguar denúncia (anônima) de suposta prática de desmanche de veículos de procedência criminosa, conforme ocorreu nesse caso, notadamente porque é de sua incumbência atuar na preservação da ordem pública (função constitucional da Polícia Militar, conforme artigo 144, da Constituição Federal)”.

Flagrante
De acordo com os autos, os policiais disseram que, em conjunto com a Central de Inteligência da Polícia Militar (PM2), receberam a notícia de que, em um imóvel no Setor Jardim Marques de Abreu, na capital, funcionava um desmanche de veículos de procedência ilícita, e que, durante o monitoramento do local, viram quando Ulisses chegou ao portão do imóvel e o abriu, momento em que o abordaram e viram Welder e Aurélio trabalhando no desmonte da camionete VW Amarok.

Ainda segundo o relato dos policiais, Welder e Aurélio confessaram que estavam desmontando a camionete mediante contraprestação financeira para que Ulisses comercializasse as peças em seu comércio. Na mesma ocasião, Ulisses confessou possuir a loja, além de um depósito, tendo inclusive acompanhando os policiais até o local, onde foram apreendidas várias peças que não possuíam nota fiscal, além de outros documentos, tais como o CRLV de uma camionete roubada, de placa MXD-9679.

Contaram, ainda, que um funcionário da loja, chamado Pedro, confirmou que Ulisses era o proprietário do local e disse que ele sempre chegava com peças de carro de procedência duvidosa para revenda. Narraram que não havia policiais descaracterizados no interior do imóvel onde realizaram a abordagem dos acusados, mas tão somente os acusados Welder e Aurélio trabalhando na camionete, a qual estava totalmente desmontada, além do veículo Ford KA, estacionado no local.

Contradições
Os réus, conforme a magistrada, embora tenham negado a autoria da infração penal, dizendo que, na verdade, foram flagrados pela polícia assim que chegavam no local para realizar o desmanche, incorreram em contradições insuperáveis, as quais retiraram a credibilidade de suas assertivas.

“Assim, considerando a comprovação da procedência ilícita dos automóveis especificados e, ainda, que as circunstâncias em que se deram as apreensões, evidenciaram, sem nenhum laivo de dúvida sequer, que os imputados sabiam ou que, ao menos deviam saber, que os automóveis eram de origem espúria, principalmente porque se tratavam de veículos novos, com poucos meses de uso, em bom estado de conservação, e que não estavam batidos, de modo a justificar o desmanche”, observou Placidina Pires.

Para condenar os réus, a juíza considerou também o fato de que Ulisses era dono de loja de autopeças e que os outros acusados sabiam que as peças dos automóveis seriam inseridas no comércio ilegal de peças usadas, circunstância que exige para a configuração do crime apenas que o dolo eventual – ou seja, que o agente “devesse saber da procedência criminosa” do bem, o que qualifica o crime e enseja a aplicação de pena mais grave, de receptação simples para receptação qualificada. TJGO