Justiça Federal entende que gorjeta tem natureza salarial

Bar cheio é sinônimo de muito trabalho para os garçons, mas também de um dinheiro extra. Isso porque os 10% cobrados dos clientes, a chamada gorjeta, acabam complementando o salário desses profissionais. Em hotéis e restaurantes, os funcionários também recebem esse benefício e, por isso, acabam comemorando quando há muito movimento.

“Dia de casa cheia é dia de muito trabalho, mas também é o momento de atendermos ainda melhor para justificar o pagamento dos 10% pelo cliente”, diz o garçom Edilson Ferreira, do Restaurante Dom Francisco, localizado em Brasília/DF. Ele salienta que esse valor pago a mais pelos clientes, em cada conta, complementa o salário. “Se não recebêssemos a gorjeta, seria um pouco complicado trabalhar como garçom. Pelo que a gente faz, pela carga horária que temos, o salário é pouco”, afirma.

Ponto de vista compartilhado pela garçonete Sônia Farias da Silva, que trabalha no Bar e Restaurante Bedrock, também na capital federal, há mais de 15 anos. Lá, a gorjeta é repartida entre todos os empregados. “O salário que recebemos não é suficiente para pagar as contas do dia a dia. A gorjeta nos rende um bom complemento de renda”, diz.

A proprietária do Restaurante Dom Francisco, Carmélia Ansiliero, explica como é feita a divisão da gorjeta no seu estabelecimento. “A gorjeta é dada aos funcionários que trabalham no salão. Esse valor é repassado a eles ao final de cada turno, após o faturamento do almoço e do jantar. Esse volume de dinheiro é rateado de forma equânime entre os funcionários todas as segundas-feiras”.

Em ambos os casos, a gorjeta dada pelos clientes é dividida de forma igualitária entre os funcionários sem, contudo, engordar os contracheques. Mas será que essa renda extra tem natureza salarial? A Justiça Federal entendeu que sim. A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu que a gorjeta, independentemente de ser cobrada compulsória ou opcionalmente na nota de serviço, tem natureza salarial e engloba o salário dos funcionários de bares, restaurantes e hotéis, conforme prevê a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).

A decisão veio após a análise de recurso de uma empresa, que alegou que as gorjetas não podem ser compelidas ao recolhimento da contribuição previdenciária porque a verba não se caracteriza como rendimento pago pelo empregador. O argumento foi rejeitado já em primeira instância, cuja sentença afirmou o caráter salarial da gorjeta.

O entendimento foi confirmado pela relatora do caso no TRF1, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso. “Pela Lei 8.212/1991, por configurar parte da renda dos empregados, a gorjeta deve ser incluída na base de cálculo para as contribuições sobre o salário, nestas incluída a contribuição previdenciária. E é, portanto, parcela do salário apta a custear a Seguridade Social”, afirmou a magistrada.

O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Jael Antônio da Silva, explicou que no Distrito Federal a maioria dos estabelecimentos respeita a convenção coletiva de trabalho.

Segundo o presidente da instituição sindical, a norma atende, mesmo que parcialmente, ao entendimento adotado pela Justiça Federal. “Atualmente, o que há é um entendimento entre as partes definido na convenção coletiva dos empregados do setor de hotéis, bares e restaurantes em que é feita uma estimativa do que será ganho de gorjeta”.

Essa é a hipótese do restaurante Dom Francisco, conforme explica Carmélia. “Nós não fazemos nenhum tipo de retenção dos valores pagos pelos clientes a título de gorjeta. Esse dinheiro vai todo para os funcionários. No entanto, nós não incluímos esse montante no contracheque. Nesse caso, nós seguimos a determinação da convenção coletiva da categoria, e o cálculo é feito mediante a inclusão de 30% do salário mínimo como estimativa de gorjeta para que haja algum tipo de aumento de arrecadação de INSS e de FGTS”.

Legislação

O presidente do Sindhobar destaca que um grande problema a ser enfrentado pelo setor é a falta de legislação. “Tramita no Congresso Nacional o PLC 57/2010, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho para disciplinar o rateio entre empregados da cobrança adicional sobre as despesas em bares, restaurantes, hotéis, motéis e estabelecimentos similares. Enquanto essa lei não for aprovada, viveremos na insegurança, pois tudo depende de como o Poder Judiciário vai interpretar as possíveis ações trabalhistas ajuizadas”.

A lei a que se refere o presidente do Sindhobar foi proposta em 28 de fevereiro de 2007 pelo deputado federal Gilmar Machado (PT/MG). Na justificativa do projeto, o parlamentar sustentou que a categoria dos trabalhadores do setor de restaurantes, bares e hotéis que atende ao público e possui direito ao recebimento da gorjeta, como é a hipótese dos garçons, vem tendo inúmeros direitos desrespeitados por diversos empregadores.

“Sanar tal problema é um dos objetivos da presente proposição. O outro consiste em esclarecer que, para todos os efeitos legais, a gorjeta deve ser considerada como salário, e não apenas como remuneração, como hoje prevê a CLT. Discussões nos tribunais pátrios acerca da distinção entre remuneração e salário acabam por acarretar prejuízos aos garçons”, diz a justificativa do projeto.

Mudanças propostas

O PLC 57/2010 propõe, dentre outras alterações, que o artigo 457 da CLT passe a vigorar com a seguinte redação: “Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado como também o valor cobrado do cliente pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição entre os empregados”.

Para o presidente do Sindhobar, Jael da Silva, a mudança proposta, se aprovada pelo parlamento, trará mais custos aos empregadores. No entanto, reduzirá as ações trabalhistas. “Para os empresários, a aprovação desta lei traz segurança jurídica. Isso significa que nós, quando formos estabelecer os procedimentos para o pagamento da gorjeta, estaremos agindo dentro daquilo que estabelece a legislação. Ou seja, haverá a definição concreta de quem serão os beneficiados, quanto cada um terá direito a receber e como deve ser realizado o pagamento dos encargos sociais”.

Ele complementa: “Para o empresário sai mais caro, mas é melhor termos uma lei que estabeleça de forma clara e concreta quais são os procedimentos, valores e benefícios do que viver na insegurança de decisões proferidas pelo Poder Judiciário”.

A proprietária do Restaurante Dom Francisco defende a regulamentação do setor. “Na minha avaliação, essa questão da inclusão ou não da gorjeta nos vencimentos dos funcionários poderia ser feita de forma mais justa. No nosso caso, por exemplo, nossos empregados ficam conosco em média 15 anos, envelhecem junto conosco. Por isso, acredito que poderia haver uma legislação que regulamentasse a questão de forma a beneficiar mais os empregados, mas que, ao mesmo tempo, não significasse onerar o empregador”.

Para o garçom Edilson Ferreira, “a inclusão da gorjeta no salário seria benéfica para os trabalhadores do setor, pois, futuramente, você teria uma aposentadoria melhor, e o FGTS seria um pouco maior”. Entretanto, ele pondera que a medida não traria apenas benefícios. “Nós sabemos que nossa renda aumentaria, mas, certamente, perderíamos alguns benefícios que temos hoje”, finaliza.

Fonte: TRF-1