Goiânia ganha instituto pioneiro para combate à corrupção nas empresas

“Jeitinho brasileiro” foi a expressão consagrada  pelo sociólogo Roberto Damata para definir o hábito de transgredir a regra, tão enraizada na cultura do brasileiro, desde os primórdios da colonização. Quem não se recorda da origem da expressão “santo do pão oco”? Remonta à época em que os bandeirantes escondiam ouro no interior das imagens para driblar a fiscalização portuguesa, que exigia o pagamento da quinta parte de todo minério encontrado.

O advogado Walmir Cunha preside o Instituto de Compliance Aplicado (ICA)
O advogado Walmir Cunha preside o Instituto de Compliance Aplicado (ICA)

Séculos se passaram e as histórias de corrupção se repetem. Apesar de os escândalos públicos terem mais visibilidade, eles também acontecem no âmbito privado. A exemplo do que está acontecendo com a Federação Internacional de Futebol (FIFA). Sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da CBF José Maria Marín, foram presos em Zurique pela polícia suíça a pedido da justiça americana por causa de uma série de acusações. O Departamento de Justiça americano acusa duas gerações de dirigentes de futebol de embolsarem mais de US$ 150 milhões (quase R$ 470 milhões) em subornos e comissões desde 1991. Ao mesmo tempo, há suspeita de irregularidades na escolha das sedes das Copas de 2018 e de 2022.

Um dos mecanismos para reduzir este tipo de comportamento desonesto nas instituições públicas e privadas é a adesão ao compliance. A palavra vem do inglês “to comply” e significa “estar em conformidade”. O termo, pouco conhecido em Goiás, ganhou a primeira instituição dedicada ao assunto em Goiânia, o Instituto de Compliance Aplicado (ICA), no fim do mês passado. Com enfoque no estudo, na aplicação e na difusão das práticas de compliance, a organização pioneira no Centro-Oeste visa criar a cultura anticorrupção dentro das organizações privadas.

De acordo com o presidente da organização, o advogado Walmir Cunha, o  compliance já está se tornando um pré-requisito para se fechar contratos com multinacionais ou grandes empresas. Em São Paulo, grande é a movimentação corporativa em torno do assunto. “Temos clientes no Rio Grande do Sul que estão negociando com uma multinacional e tiveram o prazo de 30 dias para implantarem o código de ética, como condição para que a negociação siga adiante”, explica. Em Goiás, o desenvolvimento econômico acima da média nacional forma um cenário favorável para a chegada destas novas práticas.

Ele explica que, além das questões éticas e legais, o combate à corrupção passou a ser alvo das organizações privadas, uma vez que elas afetam sua performance econômica.  “Corrupção só se debate com esclarecimento e leis rígidas. O instituto também vai atuar para isso, tanto por meio de medidas práticas como por meio de ações educativas, formação de multiplicadores etc”, afirma. Segundo estudos mundiais, estima-se que as fraudes  significam desfalque médio de 6% do faturamento das empresas.

O  vice-presidente do ICA, Caio Gracco Bizato de Campos, acrescentou que a sanção da  Lei 12.846/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção, que representou um salto no  “compliance” no Brasil. No artigo 3º, o texto diz que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. “Desta forma, a legislação fechou o cerco contra a corrupção e a prática do compliance, que já está consolidada nos Estados Unidos desde os anos de 1960, foi impulsionada por aqui”, disse.

Cafezinho

Contratos fraudulentos, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal… apesar de estes atos de corrupção estarem associados a grandes escândalos, e envolverem geralmente dirigentes de alto escalão, eles também acontecem nos outros níveis da organização, até mesmo no “chão de fábrica”. Isentar um fornecedor da nota fiscal ou favorecê-lo na hora de fechar um contrato, em troca de comissão, são exemplos muitas vezes recorrentes no dia a dia das empresas.

O presidente do ICA lembra que, ainda que sejam de pequeno impacto, tais práticas são um alimento dado ao monstro da corrupção. “O câncer da corrupção no Brasil precisa ser combatido em todas as esferas, desde um cafezinho em qualquer departamento, por qualquer favorecimento ao pagamento de valores vultosos, em forma de propina”, sublinha Walmir Cunha.

Na prática, o compliance é a implantação de um conjunto de medidas, dentro das empresas, para blindá-las de atos de irregularidade por parte de todos os seus integrantes, desde a alta diretoria até o “chão de fábrica”. Uma equipe multidisciplinar, formada por advogados, administradores e contabilistas  levantam toda as normas que envolvem negócio, revisam se todos os processos da organização estão em conformidade com as leis.

Numa segunda etapa, dentro das práticas da governança corporativa, é elaborado um código de disciplina para a empresa, com a ajuda dos próprios colaboradores. “O funcionário traz sua visão sobre os processos e se engaja no projeto. A medida traz legitimidade e maior adesão às normas”, explica o vice-presidente do ICA, Caio Gracco. A partir de então, um sistema de auto controladoria é criado. “Já há empresas que criam conselhos de ética e sindicâncias internas para apurar condutas”, complementou.

O compliance foi originado nos Estados Unidos no final dos anos 1920, inicialmente direcionado para melhor controle do mercado financeiro. A partir dos anos 1960 consolidou-se em todas as áreas do país americano e espalhou-se pelo mundo.

Pesquisa da consultoria de gerenciamento de riscos Kroll e a Transparência Brasil apontou que a ausência de mecanismos internos de prevenção é o principal causador dos ilícitos.