Defensoria Pública acompanha caso de pastor acusado de estupro que dizia ser “intérprete de Deus”

O Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública de goiás representa judicialmente um grupo de mulheres (três jovens e uma adolescente de 16 anos) que apontam terem sido vítimas de abusos sexuais pelo pastor Esney Martins da Costa, da Igreja Evangélica Renascendo para Cristo. Ele dizia ser “intérprete de Deus”. A denúncia foi feita à DPE-GO, que intermediou o caso junto às Delegacias Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) e de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), de Goiânia.

O pastor não comentou o caso. Por meio de nota, a advogada de Esney disse que ele já foi ouvido pela Delegacia da Mulher e que prestou todas as informações solicitadas, e que ele se coloca à disposição da Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente, onde foi aberto o inquérito da jovem, para esclarecer quaisquer denúncias. Além disso, que o pastor está colaborando com as investigações e que as denúncias não tratam de fatos praticados com violência ou grave ameaça, e conclui dizendo que a defesa confia nas instituições no sentido de garantirem lisura e imparcialidade.

Indícios de vários crimes

De acordo com a defensora pública Gabriela Hamdan, coordenadora do Nudem, há indícios da prática de crime de estupro, crime de importunação sexual, posse sexual mediante fraude, ameaça, lesão corporal, instigação ao suicídio, crimes de injúria e difamação. O caso chegou à Defensoria Pública a partir do contato de um servidor da instituição, também frequentador daquela igreja.

Ao ouvir os relatos das vítimas, ele as orientou e encorajou para que buscassem a DPE-GO, especificamente o Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher. Em seguida, elas foram atendidas no Núcleo e acompanhadas à Polícia Civil (DEAM e DPCA) para formalizar a denúncia, no dia 02 de junho último. O Nudem continua acompanhando o caso e representa esse grupo de mulheres no inquérito.

Em seus relatos as vítimas informaram que buscavam a igreja para superar traumas (ausência paterna, abusos sexuais sofridos anteriormente ou términos de relacionamentos), mas acabavam sendo manipuladas e abusadas pelo líder religioso devido a sua condição de vulnerabilidade emocional. Segundo as garotas, ele alegava que “Deus estava ordenando” que agisse daquela maneira para promover a cura e quando não tinha suas vontades e anseios atendidos, o pastor dizia que iria orar para Deus matá-las e às suas famílias.

De tanto acreditarem, segundo o defensor, elas achavam que se não cedessem estariam contrariando a vontade de Deus e, inclusive, preferiam tirar a própria vida a denunciá-lo. Os abusos se iniciavam de maneira sutil, como em uma apalpada para uma oração, por exemplo, e caso as garotas questionassem o comportamento ele alegava que fazia parte da cura, assim ele seguia avançando.

“Pelo que foi revelado no depoimento das vítimas, após o nosso atendimento na Defensoria Pública, nós pudemos verificar que elas foram submetidas a um enorme constrangimento psicológico, físico e sexual. Os relatos evidenciam o uso da boa-fé dessas meninas, adolescentes, mulheres jovens, no intuito de satisfazer a sua lascívia, o seu desejo sexual. Além dele mexer com tudo isso – a integridade física, a psíquica e sexual –, ele mexe com a fé dessas mulheres, de modo que elas acreditam que não cedendo às exigências dele elas estariam atentando contra o próprio Deus, o que seria uma coisa muito maior”, explica Gabriela Hamdan.

Afastamento da família

Uma das denunciantes relata que aos 15 anos começou a frequentar a igreja e ao se tornar ‘discipulada’, se afastou dos familiares por ordem do próprio pastor, sob alegação que a família dela atrapalhava seu ministério, fazendo que ela ficasse mais vulnerável. Sendo enganada por ele, mudou de comportamento com a família. Ela tinha o pastor como uma referência de pai. Passava o dia o acompanhando em visitas e eventos, chegando a dormir na residência dele (junto a esposa e filhas).

Acreditando que a família não compreenderia a situação sofrida por ele ser “um homem de Deus”, a menina escondia os abusos sexuais (antes disso era virgem) e agressões. Cerca de um ano depois dela começar a frequentar a igreja, a família descobriu os abusos sexuais ao acessar o celular da garota. Vídeos, áudios, imagens e textos demonstravam a relação dentre o líder religioso e a vítima.

Sem ter ideia do que ocorria, era frequente que a mãe autorizasse a garota a dormir na casa do pastor, junto a ele e sua família. Somente ao acessar o histórico de conversas entre os dois, a mãe soube do caso e pôde conversar com a filha sobre o que estava acontecendo. O dano psicológico foi tamanho, que a menina se automutilava e desenvolveu distúrbios psiquiátricos, como depressão.

Quando a mãe a proibiu de visitar o pastor, a menina começou a quebrar os itens de casa e ficou ‘transtornada’, segundo relatos dos familiares. Posteriormente, descobriram que ela agia dessa forma seguindo orientações do pastor por meio de uma rede social. Ao ser informada pela família de que já sabiam do que estava acontecendo e que iriam protegê-la, a garota começou a chorar e a agradecer por ter sido ‘libertada’.

Os depoimentos de outras três garotas corroboram a versão da adolescente, uma vez que demonstram um padrão de comportamento do pastor. Narram que em diversas ocasiões o religioso pegou em suas partes íntimas enquanto estavam no veículo e no monte de oração e ao resistir ele se irritou, alegando que ela possuía um demônio muito forte ou que ela era lésbica e por isso necessitava do ‘tratamento’.

Aquelas que se negavam a ‘receber a cura’ eram expostas nominalmente pelo pastor durante os cultos, mas sem detalhar aos membros da igreja o que seria o ‘tratamento’, muitas vezes as vítimas eram vistas como rebeldes e endemoniadas pela igreja, devido a exposição negativa feita pelo pastor.

As investidas contra as fiéis ocorriam na residência do pastor, (elas chegavam a dormir no local, em um colchão na sala, sob a justificativa dele de que estariam ajudando em determinadas obras ou tarefas da igreja, ou simplesmente porque estaria tarde para elas retornarem para suas casas após o trabalho realizado), dentro do veículo dele, monte de oração e até mesmo no escritório da igreja. Ao ser contrariado ele dizia que iria orar para matá-las.

“Essas pessoas não precisam ficar com medo de denunciar, de buscar ajuda. Porque não é o normal não só na igreja evangélica, mas em todas as religiões. Essas vítimas têm direito a um processo justo. Todas as atitudes descritas pelas vítimas configuram crimes. É a religião sendo usada de uma maneira muito deturpada para atender interesses pessoais de pessoas e não para atender ao bem dessa vítima”, frisa a defensora pública. Fonte: DPE-GO