Consumidor que não pagou nenhuma parcela de financiamento de carro tem direito a entrar com ação revisional

Wanessa Rodrigues

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Magistrado salienta que se a parte tem necessidade de vir a juízo para acalcar a tutela pretendida, cabe ao Judiciário oferecer a prestação jurisdicional.

Um consumidor que comprou um carro e não pagou nenhuma das 48 parcelas do financiamento terá o direito de entrar com ação revisional do contrato firmado com a BV Financeira S/A Crédito, Financiamento em Investimento. O pedido havia sido negado pelo juiz Luciano Borges da Silva, de Maurilândia, que indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito. Porém, ao analisar recurso do consumidor, o desembargador Fausto Moreira Diniz, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), cassou a sentença de primeiro grau e determinou o retorno dos autos ao juízo e prosseguimento da ação.

Consta na ação que o consumidor adquiriu um veículo Ford Fiesta Sedan 2013 a ser pago em 48 parcelas de pouco mais de R$ 1 mil. O magistrado de primeiro grau indeferiu a petição inicial e, consequentemente, extinguiu o feito por considerar que, por não pagar nenhuma das parcelas, o proprietário do veículo agiu com deslealdade na formação do pacto em sua origem, em afronta ao artigo 422 do Código Civil.

No recurso, o consumidor alega que o contrato firmado entre as partes possui cláusulas abusivas e, por isso, intentou a ação revisional cumulada com consignatória. Com base no Código de Defesa do Consumidor, ele diz que a abusividade contratual por si só justifica a revisão do pacto. Alegou a improbidade do ato judicial não podendo haver presunção da quebra do principio da boa-fé.

Ao analisar o caso, o desembargador ressaltou que, em primeiro plano, seu posicionamento era no sentido de manter a sentença dada em primeiro grau, reconhecendo como correta a análise procedida pelo juiz. Porém, ele salienta que se a parte tem necessidade de vir a juízo para acalçar a tutela pretendida, cabe ao Judiciário oferecer a prestação jurisdicional. Não sendo possível admitir que se desconstitua, de plano, a pretensão postulada. O magistrado disse, ainda, que está evidenciado na ação o interesse de agir.

“Tendo em vista que o fato do requerente ter ou não o direito pretendido traduz matéria de mérito e não condição da ação”, diz o desembargador. Tratando-se de matéria de mérito, conforme completa Diniz, inadmissível é a análise antecipada, o pré-julgamento ou o juízo prelibatório da pretensão inicial. Devendo-se aguardar o momento próprio para o julgamento do feito, sob pena de violação do amplo acesso à Justiça, garantido na Constituição Federal.

Práticas abusivas
O desembargador observa ainda que, diante da verificação de práticas abusivas protagonizadas pelas instituições financeiras, o Poder Judiciário, valendo-se do sistema protetivo inaugurado pelo Código de Defesa do Consumidor, deve intervir nos contratos privados, definindo regras de equidade. Isso para implantar ou restabelecer equilíbrio nas relações das instituições financeiras com seu clientes.

O magistrado observa que apesar de justificáveis e relevantes as razões do juiz singular, é temerário o indeferimento da inicial com fundamento na evidência de violação à boa-fé objetiva do consumidor. Isso porque, não se vislumbra qualquer hipótese prevista no artigo 17 do Código de Processo Civil, e a má-fé, tanto nas relações obrigacionais quanto no processo, não pode ser presumida.

“Além disso, porque, ainda que o consumidor tivesse acabado de firmar pacto bancário, a discussão sobre a legalidade e abusividade de suas cláusulas seria perfeitamente possível, em razão da existência de vício de consentimento ou vício do produto”, conclui.