STJ decide que TUSD e TUST integram a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica

Thais Gomes de Oliveira*

A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos – Tema 986, que estabeleceu que devem ser incluídas na base de cálculo do ICMS[1] sobre energia elétrica a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), reacende um debate jurídico e econômico significativo. Essa decisão, embora fundamentada na visão de que as etapas de fornecimento de energia são indissociáveis, lança questionamentos sobre a essência do fato gerador do ICMS.

Historicamente, a jurisprudência tendia a considerar o momento do efetivo consumo de energia elétrica como o fato gerador do ICMS, alinhando-se com uma interpretação que prioriza a materialização da circulação de mercadorias. Tal entendimento se coaduna com a lógica tributária de que o imposto deve incidir sobre operações concretas de circulação de bens e serviços, os quais agregam valor econômico perceptível ao consumidor final.

A inclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo do ICMS, por outro lado, parece dilatar o conceito de circulação de mercadorias ao considerar etapas intermediárias que, embora essenciais ao fornecimento, não se traduzem diretamente em consumo ou apropriação de energia elétrica pelo consumidor. Essa perspectiva sugere uma ampliação do objeto de incidência do ICMS para além do consumo efetivo, abarcando elementos que são, em essência, custos de infraestrutura.

Ao passo que reconhecemos a complexidade e interdependência do sistema de fornecimento de energia, é fundamental questionar se a extensão da base de cálculo do ICMS para incluir a TUSD e a TUST não contraria a natureza do imposto, historicamente vinculada à efetiva circulação de bens e serviços. Essa ampliação poderia, inadvertidamente, configurar uma forma de tributação sobre etapas que não se enquadram estritamente no conceito de circulação de mercadorias, impactando não apenas na carga tributária imposta aos consumidores finais, mas também na transparência e previsibilidade da sistemática tributária nacional.

Além disso, a modulação dos efeitos dessa decisão revela uma preocupação legítima com a segurança jurídica e os direitos adquiridos, ao mesmo tempo em que evidencia a complexidade de adaptar a prática tributária a novas interpretações jurisprudenciais. A decisão do STJ, embora juridicamente fundamentada, suscita importantes reflexões sobre os princípios que norteiam a tributação no Brasil, especialmente no que tange à definição do fato gerador do ICMS e à justa medida da carga tributária sobre o consumo de bens essenciais como a energia elétrica.

Em última análise, o debate sobre a inclusão da TUSD e da TUST na base de cálculo do ICMS não se encerra com a decisão do STJ. Pelo contrário, ele convoca operadores do direito, legisladores e a sociedade a refletirem sobre os contornos do sistema tributário brasileiro e a busca por um equilíbrio justo entre a necessidade de financiamento da infraestrutura de energia e a preservação dos princípios da capacidade contributiva e da justiça fiscal.

Thais Gomes de Oliveira é mestre em Agronegócio pela Universidade Federal de Goiás (UFG); especialista em Direito Ambiental, capacitação em Energia e Sustentabilidade, bem como MBA em Gestão Estratégica em Energias Naturais Renováveis, ambos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); e especialista em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera Uniderp. Fundadora escritório de advocacia Oliveira Sociedade de Advogados. Linkedin: https://www.linkedin.com/in/thais-gomes-de-oliveira?lipi=urn%3Ali%3Apage%3Ad_flagship3_profile_view_base_contact_details%3Bx0H%2Bym56RsmJMc6OV81JaA%3D%3D

[1] Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços