Salários atrasados: consequências legais para os jogadores que se negam a entrar em campo

*Murilo Soares Teixeira

Atletas do Figueirense Futebol Clube, clube tradicional de Florianópolis-SC, que neste ano disputa a Série B do Campeonato Brasileiro, optaram por não entrar em campo para a partida que seria realizada nesta terça-feira (20) contra o Cuiabá, na Arena Pantanal. Os jogadores permaneceram cerca de 40 minutos no vestiário, depois voltaram ao ônibus da delegação e foram embora, sem dar entrevistas.

O árbitro responsável pela partida, Pathrice Wallace Corrêa Maia, aguardou os 30 minutos regulamentares; e, então, determinou o fim da partida. Dentre a série de imbróglios e desgastes que o clube catarinense vem passando com a equipe, a gota d’água fora as remunerações em atraso. Os direitos de imagem dos atletas não são pagos desde maio do corrente ano, enquanto que os vencimentos em carteira de trabalho (CLT) não são quitados desde julho. Além disso, não se recolheu o FGTS. O clube, por sua vez, trata a situação como “falta ao trabalho”.

Esta situação em análise desencadeia uma série de consequências. No campo da Justiça do Trabalho, pode levar a rescisões indiretas. Segundo a Lei Pelé (Lei n.° 9.615/98, art. 31), o prazo limite é de três meses de atraso de salário (abono de férias, décimo terceiro salário, gratificações, prêmios, demais verbas previstas no contrato de trabalho) ou de contrato de direito de imagem, no todo ou em parte, bem como no caso de mora contumaz no recolhimento de FGTS e contribuições previdenciárias. O desportista fica livre para transferir-se para qualquer outro clube, nacional ou internacional, inclusive da mesma divisão, independentemente do número de partidas das quais tenha participado na competição.

De outro giro, segundo o art. 32 da referida legislação, passa a ser um direito subjetivo do profissional recusar-se a competir quando seus salários, no todo ou em parte, estiverem atrasados em dois ou mais meses. Ademais, corroborando o Fair Play Trabalhista, que objetiva a administração sustentável dos clubes de futebol, o art. 17 do Regulamento Específico da Competição Campeonato Brasileiro da Série B 2019 prevê que o atraso do clube no pagamento de remuneração a atleta profissional registrado durante a competição (não se considerando débitos trabalhistas anteriores e posteriores), depois de reconhecida a mora e o inadimplemento por decisão do STJD, o deixará sujeito à perda de 3 pontos por partida a ser disputada (aplicada sucessiva e cumulativamente em todas as partidas do campeonato, enquanto perdurar a inadimplência. Caso inexista partida a ser disputada, a medida punitiva consistirá na dedução de 3 pontos dentre aqueles conquistados no Campeonato).

Comprovado, então, ser o clube devedor, cabe ao STJD conceder um prazo mínimo de 15 dias para que a entidade inadimplente cumpra suas obrigações financeiras em atraso, de modo a evitar a aplicação da sanção de perda de pontos por partida. Sem contar que, de acordo com o art. 64, §1°, do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol de 2019, caso ocorra atraso, por mais de 30 dias, no pagamento de obrigações financeiras a atletas profissionais ou a outros clubes, sem que a mora financeira tenha amparo contratual ou justo motivo, o clube pode ser sancionado na forma do Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas – CNRD. Isto é, consoante art. 40, § 3º, da referida normativa, poderá sofrer com bloqueio e repasse de receita ou premiação econômica que tenha direito de receber da CBF ou de federação; devolução de premiação ou título conquistado em competição organizada pela CBF; proibição de registrar novos atletas, por período determinado não inferior a 6 meses nem superior a 2 anos; proibição de registrar novos atletas por 1 ou 2 períodos completos e, se for o caso, consecutivos de registro internacional; suspensão dos efeitos ou cancelamento do Certificado de Clube Formador; bem como sua desfiliação ou desvinculação. Da mesma sorte, no campo da Justiça Desportiva, o Cuiabá Esporte Clube é considerado vencedor da partida em questão por W.O., com o placar de 3 a 0, e conquista os três pontos da disputa.

De acordo com o art. 58 do RGC-2019 (Regulamento Geral das Competições) da CBF, prevê-se multa de R$ 5.000,00 e perda da quota de renda que caberia ao clube infrator. Além disso, o Figueirense corre o risco de ser denunciado no STJD pelos arts. 203 do CBJD (“Deixar de disputar, sem justa causa, partida”), com punição pecuniária variando de R$ 100,00 a R$ 100.000,00, e perda dos pontos em disputa a favor do adversário. Caso se comprove que a infração beneficiou ou prejudicou desportivamente terceiro, o órgão judicante (STJD) poderá aplicar a pena de exclusão da competição em disputa. Em caso de reincidência específica (isto é, infração praticada novamente no mesmo campeonato), a entidade de prática desportiva será excluída do campeonato. E indiciada pelo art. 191, II, do CBJD (“Deixar de cumprir regulamento, geral ou especial, de competição”), com pena de multa de R$ 100,00 a R$ 100.000,00, e suspensão automática das pessoas naturais responsáveis pela infração enquanto perdurar o descumprimento. Por fim, no campo da Justiça Comum, pode desaguar em uma série de ações indenizatórias.

É, portanto, a falta de estrutura e responsabilidade de dirigentes com o clube, sua torcida, profissionais do esporte, espectadores e, de maneira geral, com um esporte que é uma paixão nacional. Deixa-se, então, um exemplo negativo de como não tratar o futebol. O profissionalismo, a seriedade e a responsabilidade devem ser primícias deste esporte que é referência mundial.

*Murilo Soares Teixeira, advogado associado ao escritório Cortez Amado Advogados