Responsabilidade do empregador no acidente de trajeto

*Laís Menezes Garcia

O acidente envolvendo um ônibus que transportava trabalhadores de uma empresa de têxtil, Stattus Jeans, e um caminhão, na Rodovia entre Taguaí e Taquarituba, no interior de São Paulo, provocou a morte de mais de quarenta pessoas e reascendeu a necessidade de discussão e compreensão quanto a responsabilidade das empresas, em relação aos seus empegados, em acidentes de trajeto.

Destarte, no presente artigo, nos atentaremos apenas a responsabilidade da empresa empregadora das vítimas, pelo viés trabalhista, já que também poderiam ser consideradas as responsabilidades dos motoristas ou da empresa de transporte, por exemplo.

Acidente de trajeto é todo aquele sofrido pelo empregado no trajeto habitual da sua casa para o trabalho e do trabalho para sua casa, independentemente do meio de locomoção (veículo próprio, transporte público, transporte fornecido pelo empregador, bicicleta ou a pé, por exemplo).

Caso o empregado saia do trabalho e se encaminhe diretamente a um local diferente da sua residência, eventual acidente que ele sofra nesse percurso não será caracterizado como acidente de trajeto.

Entretanto, há jurisprudências que reconhecem o acidente de trajeto, mesmo que ocorra pequenas variações no percurso, ou que o destino do empregado seja a escola/faculdade, se frequentada habitualmente antes ou após o expediente de trabalho.

O ônus de provar determinado acidente de percurso, sempre caberá a quem alega, ou seja, se o empregado sofrer acidente no caminho de ida ou de volta do trabalho, caberá a ele provar que não desviou do seu trajeto habitual, sendo fato constitutivo do seu direito.

Diante das informações preliminares, cumpre informar que da Lei 13.467/2017, famigerada Reforma Trabalhista, revogou o pagamento de “hora in itinere”, que se tratava do tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e o seu retorno para a casa, quando a empresa se localizava em local de difícil acesso, o que levantou entre parte dos juristas, o entendimento de que deste modo, os empregados também perderiam os direitos associados ao acidente de trajeto. Todavia, decisões posteriores a Lei, reafirmam a vigência dos direitos relacionados ao acidente de trajeto, que não se relacionam com a revogada “hora in itinere”.

Em 2019, a Medida Provisória 905/19, que criou o Contrato Verde e Amarelo, havia alterado alguns itens da Lei 8.213/91. Entre essas mudanças, estava a revogação do artigo 21, inciso IV, alínea “d” da Lei, em que equipara a acidente de trabalho todo aquele que ocorrer “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.

Ocorre que a MP 905/2019 foi revogada no dia 20 de abril de 2020, pela MP 955/2020, de modo que se mantém o previsto na Lei 8.213/91, ou seja, os acidentes de trajeto se equiparam a acidente de trabalho.

Outrossim, não há dúvidas acerca da obrigação do empregador em emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) à Previdência Social, bem como a abonar os dias de atestado médico e, caso de seja necessário mais de quinze dias de afastamento, encaminhar o empregado para a Previdência Social para percepção do benefício auxílio doença acidentário.

É necessário considerar ainda, que na hipótese de afastamento médico superior a quinze dias e a percepção do auxílio doença acidentário, o empregado fará jus a estabilidade provisória de emprego, pelo período de doze meses contados a partir da data de cessação do benefício previdenciário (art. 118 da Lei 8.213/91 c/c Súmula 378 do TST).

Um acidente de trajeto pode ter como consequência apenas um afastamento previdenciário, a perda ou redução da capacidade laboral ou até a morte, como aconteceu no trágico acidente no interior de São Paulo.

Apesar de que em todos os casos, os acidentes de trajeto serão equiparados a acidente de trabalho para fins previdenciários e consequentemente de estabilidade no emprego, deve ser analisado o caso concreto para identificar possível responsabilidade civil do empregador.

Via de regra, a responsabilidade do empregador é subjetiva, ou seja, é necessário que seu ato tenha ocorrido por dolo ou culpa, para que a indenização possa ser exigida.

A exceção, ou seja, a responsabilidade do empregador passa a ser objetiva, quando ele fornece o transporte para seus empregados. Observamos que a hipótese não se trata meramente do fornecimento de vale-transporte, mas sim o fornecimento do próprio meio de transporte, o que ocorre comumente em empresas que ficam localizadas em locais de difícil acesso.

Acerca deste entendimento, vale trazer os esclarecimentos prestados pelo Procurador do Trabalho Ricardo Garcia: “o transporte de empregados é parte da atividade produtiva da empresa que os emprega e a empresa transportadora tem que ter sua atividade inserida no sistema de gestão de risco”.

Diante do exposto, conclui-se que no caso de acidente de trajeto em transporte fornecido pela empresa, o empregado poderá ter direito a reparação por danos morais, estéticos e/ou materiais, que no caso de morte do empregado, será destinada à sua família/dependentes.

Retornando ao caso do acidente na Rodovia no interior de São Paulo, é incontroverso que os passageiros do ônibus estavam a caminho do trabalho, caracterizando assim, acidente de trajeto, equiparado a acidente de trabalho, onde todas as vítimas sobreviventes possuem direito à percepção do benefício auxílio doença acidentário no caso de afastamento por mais de quinze dias, e consequentemente, estabilidade de doze meses no emprego.

A maior questão então, seria a responsabilidade do empregador, para fins indenizatórios, tanto para as vítimas sobreviventes, quanto para as famílias das vítimas não sobreviventes.

À primeira vista, aparentemente poderia se tratar de transporte fornecido pela empresa, para transportar seus empregados. Entretanto, em nota divulgada em sites de notícia, o advogado da empresa Stattus Jeans, informou que a empresa não contratava o ônibus para transportar seus empregados, segundo o advogado os empregados recebiam vale-transporte e os próprios contratavam a empresa de ônibus.

A alegação da empresa afasta a sua responsabilidade objetiva pelo acidente e pelas mortes causadas, que poderá vir a ser discutida judicialmente.

É necessária a compreensão de que a responsabilidade da empresa pela saúde e segurança de seus colaboradores, pode ultrapassar seu ambiente laboral e deve ser prioridade de gestores, já que o benefício previdenciário pode ser cumulado com a reparação civil.

O investimento em programas de prevenção de acidentes do trabalho e fiscalização das empresas contratadas para transporte de empregados é de suma importância, e além de evitar condenações, traz segurança e fortalece a relação de trabalho.

*Laís Menezes Garcia é advogada especialista em Direito do Trabalho. Atua no escritório Dias & Amaral Advogados Associados.