Princípio do juiz imparcial e a suspeição do magistrado que aconselha a parte em processo penal

*Juberto Jubé

Além de disposto no ordenamento legal pátrio, o princípio da imparcialidade do juiz está consignado no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), o qual prescreve que “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.

Na Carta Magna, o princípio em voga emana do artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, que coibi o juízo ou tribunal de exceção, garantido que o processo seja conduzido e sentenciado por autoridade competente.

A universalidade do postulado em questão revela, indubitavelmente, que o princípio do juiz imparcial é pressuposto basilar de validade de qualquer processo judicial, de modo que o magistrado deve se manter em posição equidistante entre as partes em todas as fases processuais, a fim de exercer a função jurisdicional sem riscos de interferência indevida.

O juiz imparcial é aquele que não tem (e não demonstra ter) interesse no objeto da lide. A imparcialidade é o Estado constituído na pessoa do juiz, sendo por meio deste que a justiça se materializa.

Com efeito, a imparcialidade do juiz traduz-se na segurança de justiça às partes. E é por isso que estas têm o direito de exigir um julgador isento. Enquanto o Estado tem a obrigação de fornecer esse juiz em face das causas que lhe são oferecidas.

Segundo os ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho (in Processo Penal, 18ª edição, Saraiva, 1997, p. 555) “a suspeição assenta na falta de imparcialidade do juiz, o juiz deve ser imparcial. Como órgão que proclama o Direito, não se poderia aceitar como justa a decisão proferida por juiz não-imparcial. Destarte, o juiz suspeito deve ser afastado imediatamente da direção do processo. Não apenas pelo risco que a parte corre em ser julgada por juiz parcial, como, também, como diz Alcalà-Zamora, para salvaguardar o prestígio profissional e a dignidade da administração da justiça”.

Um juiz ultrapassa o princípio tratado quando, por exemplo, em aparente suspeição, aconselha uma das partes, podendo provocar, assim, inegável nulidade processual, segundo a clara dicção do artigo 254, inciso IV, combinado com o artigo 564, inciso I, ambos do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 254.  O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;

Art. 564.  A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;

Citamos, então, Júlio Fabbrini Mirabete (in Processo Penal, 3ª edição, Atlas, 1994, p. 202), para o qual “também é suspeito o juiz ‘se tiver aconselhado qualquer das partes’ (inciso IV). Revelando seu pensamento ou seu interesse quanto ao assunto que deve julgar a qualquer das partes, não se pode falar mais em isenção de ânimo por parte do juiz”.

O exercício da jurisdição apenas é válido quando o magistrado, em representação do Estado, no exercício das atividades inerentes à jurisdição, atue com imparcialidade.

Logo, é defeso ao juiz ter qualquer relacionamento com as partes do processo além do convívio estritamente profissional, por evidente, sendo vedado ao magistrado orientar advogados ou promotores na condução do feito, deixando-se arrastar de modo a estabelecer posição de desconfiança quanto a sua imunidade para o sentenciamento da causa.

Em absoluto, isso não quer dizer que o magistrado não possa recepcionar qualquer das partes em gabinete, fora de audiência, para ouvir sobre a tese de defesa ou fatos narrados na ação, sobretudo quando se trate de providência que reclame e possibilite solução urgente, como, a propósito, previsto no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura. Lembrando, também, sobre o direito do advogado ser recebido pelo juiz independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada, na forma do artigo 7º, VIII, da Lei 8.906/94.

A imparcialidade, contudo, exige que o julgador não se comprometa com uma das partes, em função da posição privilegiada, v. g., sugerindo estratégias de defesa, indicando produção de provas e antecipando decisões.

Enfim, a doutrina alinha-se majoritariamente no sentido de que a suspeição do juiz é razão de nulidade absoluta, não sendo outro o entendimento deste operador do direito. Ocasião em que firmamos essas breves e singelas anotações jurídicas com o único intuito de protestar pelo julgamento justo, sem máculas e isento dos réus em matéria penal, qualquer que seja a origem do sentenciado.

*Juberto Jubé é advogado e presidente do Instituto Goiano de Direito Público e da Comissão de Processo Legislativo da OAB-GO