Nas dores de crescimento de uma empresa, o jurídico também sofre

*Fabrício Ramos, Rafael Docampo e Tales Riomar 

Em um mundo ideal, pode-se considerar que uma empresa é formada por um conjunto de áreas e sistemas que atuam de forma harmônica e, assim, possibilitam seu crescimento. Mas muitas vezes a realidade se impõe e o que se vê na prática é o que denominamos “dores de crescimento”, sinais de que a companhia está crescendo além do que estava preparada. É um processo análogo ao de um caracol que precisa trocar de casca quando aquela estrutura não mais comporta suas necessidades. Nesse cenário, a companhia precisa, rapidamente, desenvolver sistemas, processos e novas estruturas para suportar seu novo tamanho e seus novos desafios.

O crescimento abrupto e acelerado vem ganhando destaque no cenário empresarial nos últimos anos, principalmente em negócios voltados para tecnologia e, mais especificamente, nas fintechs. Neste setor, o número de empresas 100% nacionais mais do que dobrou em um intervalo de 6 anos, passando de 474 empresas em 2015 para 1.150, em 2021. Os investimentos também aumentaram – arrisco dizer que na mesma proporção, se não mais. Apenas nos cinco primeiros meses de 2021, o setor recebeu US$1,15 bi em investimentos. Um movimento histórico.

Os dados fazem do nosso país o quarto maior ecossistema de fintechs da América Latina. Além disso, a cidade de São Paulo está na quarta colocação no mundo com mais empresas no setor. É o que traz o relatório “2021 Global Fintech Rankings”,  produzido pela Findexable, em parceria com a Mambu, fintech alemã de soluções bancárias na nuvem.

A tendência, inclusive, é que continuem em rota de crescimento por um bom tempo. Com a digitalização em massa das empresas e de serviços financeiros, impulsionada pela pandemia, o horizonte ainda se mostra muito promissor, como ilustram as expectativas de investimentos e de aportes nos próximos anos.

Nesse contexto de rápida e abrupta expansão das empresas, evitar as “dores de crescimento” é praticamente impossível. O motivo geralmente é o mesmo: falta coordenação para acompanhar o crescimento em grandes magnitudes. A partir do momento em que isso acontece, é natural que contratempos apareçam e que as empresas não consigam imediatamente formar uma nova “casca” ideal.

Normalmente, quando falamos de crescimento e escala, primeiro se pensa nos desafios de qualificação de time de vendas, customer success ou até mesmo ferramentas de backoffice. Entretanto, há outro setor muito estratégico que sofre diretamente com essas questões, mas que geralmente passa despercebido: o jurídico. Muitas companhias, quando crescem “além da conta”, ainda não possuem a sua área legal totalmente estruturada. E acelerar este processo é um grande desafio.

Para quem vem do mundo jurídico, é frustrante perceber que, ainda hoje, o setor e suas “dores” específicas ainda são deixadas de lado. Em boa parte das empresas, o jurídico costuma estar sobrecarregado com tarefas operacionais repetitivas, sobrando muito pouco tempo para projetos estratégicos. Sem as ferramentas corretas, o jurídico acaba sendo encarado como um freio ao crescimento ao invés de solucionar as aflições de outras áreas da empresa.

A ideia é entender como transformar, via tecnologia, o departamento jurídico em um parceiro de negócios que resolva a angústia de toda a companhia. Nesse sentido, ter gestores capacitados e investir em ferramentas que simplifiquem os processos é importante.

Um tipo de ferramenta que tem ganhado muito destaque no cenário jurídico nos últimos anos são as plataformas CLM (contract lifecycle management, na sigla em inglês). O diferencial dos CLMs é integrar tecnologias distintas para cada etapa do ciclo de vida dos documentos em uma única plataforma, agilizando processos e facilitando controles. Nesse sentido, a criação, aprovação, assinatura e gerenciamento de prazos dos documentos são apenas alguns exemplos de tarefas manuais que podem ser facilitadas enormemente pelo uso dessas tecnologias.

É verdade que não existe uma solução única, nem apenas uma metodologia aplicável; Cada cenário é peculiar, e assim, precisa ser cuidadosamente analisado. Mas o simples entendimento de que o setor jurídico tem dores próprias e pode ajudar a remediar problemas de outras áreas como um parceiro estratégico, já é o primeiro passo para colocarmos esse departamento no centro da engrenagem de crescimento.

Por isso, é necessário pensar na empresa como um todo. Quais departamentos são mais afetados pelo rápido crescimento da empresa? Quais mudanças são necessárias? O que é mais importante no momento? Perguntas como estas são indispensáveis para quem busca soluções práticas e não há uma resposta padrão. Mas uma saída é clara: o jurídico deve (ou deveria) ser envolvido em todas essas conversas.

Ter um orçamento regrado e bem elaborado, que seja seguido à risca e com seriedade traz um pouco de sossego. Elaborar um bom planejamento alinhado com a gestão de custos para aproveitar oportunidades, mas sem abusos, é um bom início. Mas se livrar das dores de crescimento passa, em primeiro lugar, por reconhecer quais pontos são os mais críticos.

Sem isso, fica mais difícil antecipar ou curar as dores de crescimento, sejam elas jurídicas ou não. Sendo sempre importante pontuar, para escalar com segurança, o jurídico precisa ser um parceiro de negócios desde o 1º dia.

*Fabrício Ramos é advogado,  formado em Direito pela FGV-SP e sócio da Lexio.  

*Rafael Docampo é formado pela Faculdade de Direito da USP e sócio da Lexio. 

*Tales Riomar é formado em Engenharia de Produção pela UFRJ e consultor de projetos em Legal Engineering & Innovation na Future Law Studio.