Dano existencial

*Ernane de Oliveira Nardelli

Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho publicou decisão, no Recurso nº 0001351-49.2012.5.15.0097, reconhecendo ser devida indenização por dano existencial a motorista carreteiro submetido a uma jornada de 15 horas de trabalho de segunda a sábado. O valor da condenação foi arbitrado em R$ 20 mil.

O dano existencial é conceituado como uma subespécie de dano moral, que acarreta à vítima a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre outras) e a dificuldade de retomar sua vida de relação (de âmbito público ou privado, sobretudo na seara da convivência familiar, profissional ou social).

O entendimento é que o empregado submetido a extensa carga diária de trabalho, muito superior ao limite máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico pátrio, seria privado do convício social e familiar.

O artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que a duração diária do trabalho não excederá de 8 horas. Já o artigo 59 do mesmo dispositivo legal prevê a possibilidade de acréscimo de até duas horas, elevando para 10 horas o limite diário da jornada.

Entendimento contrário ao dano existencial seria de que eventual extrapolação da jornada importa em dano de outra natureza, como material, consistente no ressarcido com a condenação no pagamento de horas extras postulada pelo empregado.

Constantemente se observa empregados submetidos a uma extensa jornada de trabalho, seja decorrente de ausência de mão de obra qualificada ou mesmo por redução de custos das empresas.

Mas não raro os próprios empregados se submetem a essa rotina decorrente de ausência de planejamento de tempo. As rotinas de trabalho são muito dinâmicas, exigindo várias ações paralelas à confecção do trabalho em si, como comparecimento a reuniões, atendimento a clientes, além de uma infinidade de relatórios.

Com base em tais fatos, a entrega do trabalho fica de lado, sendo retomadas após o final do expediente, quando os telefones e e-mails dão uma trégua.

Um efetivo planejamento de tempo, em muitos casos, seria suficiente para amenizar essas situações. Muitos especialistas no assunto garantem uma maior produtividade no primeiro período do dia, onde aqueles trabalhos que demandem maior necessidade de concentração deveriam ser realizados.

A melhor qualidade de vida é uma preocupação constante de grandes empresas, que tem se conscientizado quanto ao melhor rendimento de seus empregados quando submetidos a um ambiente de trabalho qualificado.

A aplicação de pesquisas de clima organizacional é um instrumento adotado por diversas empresas como instrumento de medição dos índices de motivação. Com base em tais dados é possível traçar estratégias para o real engajamento e comprometimento dos funcionários, bem como apurar eventuais gargalos na rotina de trabalho que merecem atenção pelo empregador.

O funcionário submetido a longas jornadas de trabalho tem seu rendimento comprometido, não sendo vantajoso para nenhuma empresa, tampouco aos empregados, mesmo com o recebimento das horas extras devidas.

Tanto é assim que no início da criação dos turnos de trabalho conhecidos como 12 horas de labor por 36 horas de descanso, houve calorosas discussões quanto a sua legalidade.

Os tribunais entendiam que o trabalho por 12 horas contínuas se mostrava desgastante. Contudo, com o passar do tempo se observou que as 36 horas de descanso que se seguia ao período trabalhado trazia uma melhor qualidade de vida a esses empregados.

É que a cada dia trabalhado, além das 11 horas de descanso estabelecidas pelo legislador, o empregado teria um dia de descanso, possibilitando um maior convívio familiar. Apesar de aparentemente vantajoso, o Poder Judiciário passou a reconhecer a sua validade apenas quando previsto em acordo ou convenção coletiva.

A Lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, acrescentou o artigo 59-A a CLT, facultando a adoção do regime diferenciado acima por meio de acordo individual escrito.

Mas a legislação é insuficiente se não existir uma análise constante da rotina de trabalho e um acordo entre as partes, a fim de melhor organizar as atividades de cada empregado. Tudo isto demanda gestão estratégica das empresas, especialmente dos líderes, além de sensibilidade para adequação dos perfis corretos nas vagas, a fim de haver maior produtividade e assertividade, sem desgastes.

Diante disto, submeter o empregado a uma rotina extensa e desgastante, além do horário normal de trabalho, resulta em diversas consequências para o empregado e para a empresa. Por outro lado, deve haver um equilíbrio nesta relação dentro das organizações.

Destarte, o dano existencial não é caracterizado por uma situação esporádica, onde o trabalhador excede sua jornada de maneira não habitual, pois decorre de uma conduta reiterada e abusiva, passível de efetiva privação do convívio familiar e social, previsto inclusive no artigo 6º da Constituição da República.

O certo é que cabe ao empregador zelar pela saúde e segurança do trabalho, adotando medidas aptas a não permitir o trabalho por longos períodos de maneira habitual, proporcionando qualidade de vida a seus funcionários, sem deixar de pensar na lucratividade e na sustentabilidade do negócio.

*Ernane de Oliveira Nardelli, sócio da Jacó Coelho Advogados