Perda de uma chance: pais serão indenizados por município e hospital universitário que não transferiram criança para tratamento em UTI

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Marília Costa e Silva

A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás condenou o município de Rio de Verde e a Universidade de Rio Verde (Univr) a indenizarem, por danos morais, arbitrados em R$ 50 mil, um casal pela morte da filha de apenas 3 anos ocorrida em 2015. A criança teria recebido atendimento médico inadequado no serviço hospital mantido pela municipalidade e gerenciado pela instituição educacional.

Na ação, os pais da menor, representados pelos advogados Teresa Barros, Marcel Barros Leão e Maxuel Moura de Sousa, da banca Teresa Barros Advocacia, apontaram que ela foi internada no hospital 29 de abril de 2015 e faleceu em 08 de maio, de septicemia. E que, apesar da recomendação pública e notória do Instituto Latino Americano de Sepses de que o tratamento nesses casos seja feito em Unidade de Terapia Intensiva, a criança permaneceu em um leito comum.

Por esse motivo, no processo, os causídicos sustentaram que deveria ser aplicada a Teoria da Perda de uma Chance. Isso porque, sustentaram, que haviam sólidas possibilidades de que o tratamento na UTI fosse mais eficaz do que a permanência da criança em simples leito de enfermaria.

Recurso no TJGO

Em primeiro grau, o pedido de reparação foi negado. Inconformados, os pais da menina recorreram ao TJGO. O relator do processo, o juiz substituto em segundo grau Reinaldo Alves Ferreira, reformou sentença aquo que havia considerando a ausência de nexo causal entre a conduta médica e o óbito da criança. Para o julgador, ao contrário, após acurada análise do cenário probatório, ele entendeu terem mesmo ocorrido falhas no atendimento prestado pelos réus à filha dos autores, passíveis, sim, de ensejar a responsabilização destes pelos danos alegados.

Para o juiz substituto em segundo grau, a ausência de uma avaliação mais precisa e de atitudes efetivas para a reversão do quadro clínico da infante, assim que os sintomas infecciosos deram sinal de agravamento, por certo retardou o tratamento da sepse, complicando ainda mais seu estado de saúde, o qual evoluiu para óbito. “O hospital tem o dever de organizar seus serviços de forma profissional, tendo preparado protocolos de ação para enfrentar situações como essa. A forma amadora de lidar com problemas é procurar resolvê-los somente após eles surgirem. Normalmente o resultado é desastroso. Como intercorrências como essa não são raras, ao contrário, são absolutamente previsíveis e relativamente rotineiras, incumbe ao nosocômio ter previamente estabelecido como rapidamente agir em tais situações”, ponderou.

Falhas sucessivas no atendimento

Apesar disso, o julgador apontou que não se pode afirmar que infecção generalizada foi
responsabilidade do hospital, nem que o desfecho da situação seria outro, caso a criança tivesse sido transferida para a UTI, ante o agravamento de seu quadro clínico. A piora da saúde da paciente ocorreu, de fato, de forma muito rápida, evoluindo de pneumonia para
pneumonia bilateral e para o óbito em poucos dias. “Todavia, as omissões descritas no atendimento médico convergem para a confirmação de falhas sucessivas no atendimento da filha dos autores, falhas essas que, se não foram diretamente a causa da morte, ao menos retiraram à paciente a chance de eventualmente reverter o seu grave quadro de saúde”, ponderou.

Com esse entendimento, ele acatou a defesa dos advogados de que houve mesmo no caso a perda de uma chance de sobrevivência ou de cura. “Essa é uma teoria francesa “adotada pela jurisprudência daquele país, a partir de 1965, em casos de danos corporais indenizáveis, para proteger a vítima e obviar os inconvenientes na formação da culpa. O elemento prejudicial que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento . “Importante salientar que referida teoria não pretende responsabilizar o agente pelo dano em si, mas pela perda real e séria da chance”, explica o juiz.

Perda da chance

Assim, na fixação dos danos, há que se ter presente que não se está a indenizar o dano final (a morte da filha dos autores), mas sim a perda da chance de, eventualmente, ter se logrado reverter o quadro, com uma mais precoce intervenção no sentido de transferi-la para a Unidade de Tratamento Intensivo, em razão das circunstâncias já referidas. Quanto ao valor arbitrado da reparação, o julgador ponderou que ele deve cumprir a função ‘punitiva-compensatória’ sem, contudo, causar enriquecimento a uma parte e onorosidade excessiva para outra.

No caso dos autos, frisa o magistrado, os autores perderam sua filha ainda criança, cuja contribuição pecuniária jamais alcançará um monte capaz de minimizar o sofrimento da família. “As circunstâncias descritas nos autos não deixam dúvida acerca da dor infligida aos autores, que em todos os momentos se mantiveram ao lado da filha, acompanhando seu sofrimento e buscando de todas as formas uma solução médica para o caso. Em vista
disso, entendo pertinente fixar o valor dos danos morais em R$ 25 mil para cada autor, totalizando R$ 50 mil”.

Processo: 5225188-78.2017.8.09.0138