Para jurista, prestação de contas de verba alimentar vai gerar novos conflitos judiciais

Jurista Rolf Madaleno
Rolf Madaleno é direitor nacional do IBDFAM

A lei da guarda compartilhada autoriza a possibilidade de prestação de contas em verba alimentar. O jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em entrevista ao Boletim, defende que isto pode gerar novos conflitos judiciais e também suscitar a prática abusiva de um direito. Como consequência, pode ser exigida a restituição do valor ao menor, como pode ser solicitada a revisão da verba alimentar. Confira a entrevista na íntegra.

– Qual a importância desta inovação da possibilidade de prestação de contas em verba alimentar?

A Lei da Guarda Compartilhada (Lei 13.058/2014) inseriu o § 5° ao art. 1.583 do Código Civil, autorizando o pai ou a mãe que não detenha a guarda unilateral a solicitar informações e, se assim entender, também a prestação de contas, objetivas e subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação dos filhos. Portanto, o dispositivo alude a um aspecto mais da prestação de contas sobre todos os assuntos relacionados à formação, saúde física e psicológica e educação do filho e não apenas sobre os gastos com a pensão alimentícia.

Com esta nova determinação passa a ser viável notificar judicial ou extrajudicialmente o outro genitor para que preste informações sobre despesas realizadas com os alimentos, na forma contábil e acompanhada de todos os demonstrativos, lembrando que o CPC só admite a ação de exigência na prestação de contas, tendo eliminado a ação para prestação espontânea de contas. A prestação de contas acabará servindo como via para uma eventual revisão do valor dos alimentos, como também pode terminar servindo como fonte geradora de novos conflitos judiciais, não sendo raro deparar com alimentantes usualmente desconfiados com a utilização e destinação dos alimentos dos filhos pelo progenitor guardião.

Penso que a prestação de contas poderá se prestar muito mais a geração de conflitos do que à real apuração dos gastos do guardião para com o filho comum, considerando que em geral as pensões são fixadas dentro de uma presunção ou mostra de efetiva necessidade e sem sobras para eventuais desvios, podendo servir o caminho apenas para nova fonte de processos.

– Antes esta possibilidade já era admitida no Tribunal de Santa Catarina. Quem não tem a custódia física, embora a guarda seja compartilhada, tem o direito de pedir a prestação. Antes não era possível. Evita, por exemplo, a fraude no uso dos recursos? Quais são os benefícios para o ex-casal e para os filhos?

Do ponto de vista da prestação de contas pecuniária pode suscitar uma prática abusiva de um direito, pelo qual o alimentante promove infundadas e reiteradas prestações de conta, embora seja forçoso reconhecer que se trata de um importante instrumento processual para apurar a ocorrência de desvios ou má gestão do crédito alimentar do filho comum, que assim agindo atenta contra os interesses superiores da prole credora dos alimentos. Portanto, o que deve ser medido e servir como mote da ação de prestação de contas é exatamente a configuração do abuso, que pode estar na ação desmedida de quem pede a prestação de contas e o faz apenas para importunar e causar gastos desnecessários ao guardião, como custas judiciais e advogado, ou o abuso de fato está na malversação dos alimentos do filho e este abuso, seja de onde ele vier, tem de ser duramente castigado.

– Excessos de detalhes na exigência da prestação poderia torná-la inviável ou até aumentar o conflito entre as partes. Qual é a opinião do senhor sobre esta questão?

Tenho que a grande preocupação está na reiteração de admoestações processuais na prestação abusiva das contas, por suspeitas inconsistentes de desvio da verba alimentar, sendo o detalhamento exacerbado das contas exigidas um fator igualmente beligerante, pois é incontroverso que muitas das despesas de um filho estão misturadas com as despesas de seu guardião, como o condomínio, o IPTU, as despesas com alimentação, combustível, telefone, luz, televisão a cabo e assim por diante, em contraste com as despesas exclusivas do alimentando e esta dicotomia sempre será geradora de conflitos.

Também existem despesas regulares e outras extraordinárias, que mesmo assim são previsíveis, ainda que eventuais, como custos com enfermidades e internações, mas outras não, como consertos que precisam ser feitos na casa onde o menor reside e, indiscutivelmente, parcela destas despesas deve ser proporcionalmente debitadas ao alimentando.

– Quais medidas devem ser tomadas quando é constatada a prática do abuso do direito, ou seja, quando os filhos são prejudicados pelos desvios ou pela má gestão do seu crédito alimentar?

Havendo prova ou indícios fortes de desvio dos alimentos pode ser exigido do genitor administrador a restituição do valor ao menor e a quem se destinam os alimentos, como pode ser pleiteada a revisão da verba alimentar em outra ação revisional e se o abuso for de grande monta e reiterado é possível considerar a troca da guarda.

– A prestação de contas também pode se tornar um abuso por parte do devedor de alimentos ao encontrar na prestação de contas uma maneira de incomodar o ex-cônjuge com reiteradas admoestações processuais, por suspeitas inconsistentes de malversação dos alimentos? Como evitar abusos?

Esta era a razão pela qual os tribunais em sua quase totalidade negavam a ação de prestação de contas da pensão alimentícia, alegando que os alimentos já haviam sido discutidos quando da sua fixação e que, portanto, o valor estabelecido era justamente aquele adequado e havido como necessário ao integral sustento do credor, não se prestando a ação de prestação de contas para pormenorizar o destino dos alimentos que tinham o valor exato das possibilidades do alimentante e das necessidade do alimentando e, por isto, a prestação de contas se tornava unicamente numa fonte de novas e desnecessárias dissensões entre os pais divorciados ou separados. Este temor não desapareceu, devendo prevalecer um pulso forte do legislador para só ordenar a prestação de contas se for convencido da possível procedência do pedido, quiçá com mostras ou argumentos de um possível desvio e se constatar a ocorrência do desvio também valer-se de forte pulso para coibir esta prática que se mostrar realmente abusiva. Fonte: IBDFAM