Número de mulheres presas multiplica por oito em 16 anos

O Brasil possui a quinta maior população de detentas do mundo.

Multiplicou-se por oito o total de mulheres presas no Brasil em 16 anos. O número de presas passou de 5,601 em 2000 para 44,721 em 2016, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça.Com o aumento, a representação das mulheres na massa prisional passou de 3,2% para 6,8% no período analisado.

O estado das prisões femininas, em função do aumento do número de presas, passou a chamar a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Preocupada, a presidente do conselho e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, visitou unidades prisionais para mulheres de três Estados. Desde o início da série de inspeções, em outubro de 2016, a chefe do Poder Judiciário teve contato com internas no Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Bahia.

O Brasil possui a quinta maior população de detentas do mundo — a terceira se considerados ambos os sexos. Das 1422 prisões brasileiras, 107 (7,5%) são exclusivamente femininas e outras 244 (17%) mistas, conforme o Depen. Entre as 44,7 mil detidas, 43% são provisórias, à espera de julgamento definitivo.

Os dados estão anexados em pedido de habeas corpus coletivo em favor de todas as presas grávidas, puérperas (que deram à luz há até 45 dias) ou com filhos de até 12 anos sob sua responsabilidade em prisão cautelar, bem como das próprias crianças. Esta ação, do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu), tramita pelo Superior Tribunal Federal(STF).

Cerca de 60% das detidas respondem a crimes ligados ao tráfico de drogas. A maioria delas, contudo, não tem ligação com grupos criminosos e tampouco ocupam postos de chefia, sendo coadjuvantes, informa o Depen.

Quatro em cada cinco delas(80%) é chefe de família e a principal, quando não única, responsável pela guarda das crianças. Mesmo entre as identificadas no ofício, 25% cuida do filho no cárcere (33 de 129).

Os dados apontados incluem 10 unidades da Federação: AC, AL, AM, BA, DF, MG, MS, MT, RJ e SC. Somada, a massa carcerária dos locais equivale a 32,5% da população presa entre homens e mulheres no país, cerca de 654.372 pelo levantamento de janeiro 2017. Os demais estados não atenderam à requisição do Depen até o envio do informe, assinado em 10 de agosto.
Nuvem de palavras

“A situação das mulheres privadas de liberdade no país — quem são e em que condições são mantidas — permanece, portanto, opaca: esta é a primeira constatação preocupante”, afirma Nathalie Fragoso, advogada do Cadhu. Mesmo os dados juntados subdimensionam o problema, diz ela, pois o Depen listou apenas grávidas e mães com bebês dentro de prisões.

Após o parto, a presa pode amamentar o bebê por ao menos seis meses, por previsão da Lei de Execução Penal (LEP). Nem todos os presídios, contudo, cumprem o prazo e parte delas aplica-o como tempo máximo, segundo Fragoso. “O momento da saída da criança do cárcere é conduzido de maneira em geral abrupta, descomprometida com a necessidade de adaptação e com os eventuais impactos sobre a saúde psicológica das mulheres encarceradas”, diz Fragoso.

Juízes dispõem de meios para reduzir o total de mães na atrás das grades. Com o Marco Legal da Primeira Infância, em vigor desde 2016, o Código de Processo Penal passou a permitir que o magistrado converta a prisão preventiva em domiciliar para gestantes e mulheres com filho de até 12 anos incompletos. Ser mãe também pesa na concessão de indulto e comutação de pena. Para Fragoso o Poder Judiciário e o CNJ podem, ainda, assumir a tarefa de romper com a opacidade hoje característica do sistema prisional.

Penas não privativas de liberdade devem ser preferidas para mulheres grávidas e com filhos dependentes, conforme as Normas de Bangkok, aprovadas pelas Nações Unidas. O principal normativo sobre o tema reserva a prisão para casos graves ou em que a mãe represente ameaça. Em 2016, o CNJ publicou a tradução oficial do documento em português.

“Ideal é que não haja criança nenhuma em unidade prisional”, afirma o conselheiro Rogério Nascimento, do CNJ. Para ele, o regime domiciliar para mães de filhos pequenos reduz a demanda por cuidado infantil em presídios. Requisitos legais, contudo, regem o benefício. “Não é possível ignorar, a despeito de quão triste seja a situação.”

O aprisionamento feminino pauta ações do conselho ao menos desde 2010, quando grupo de trabalho sobre o tema reuniu juízes criminais e de execução penal. Um resultado foi a Cartilha da Mulher Presa, editada em 2011. Disponível para download e entregue em penitenciárias, o material traz direitos das internas, cálculo de benefícios e dicas de saúde, entre outros. “Em essência, as orientações ainda valem. Continua uma ferramenta importante”, diz Rogério.

Em 2016, o CNJ discutiu resolução com diretrizes para o acompanhamento de mulheres e grávidas presas, bem como dos filhos delas. O texto, ainda não submetido a plenário, prevê medidas como atenção neonatal, amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida e espaços de convívio familiar.

“O crescimento dessa população mostra que é preciso um instrumento normativo para orientar a fiscalização”, afirma o conselheiro. “Em 16 anos, houve tempo suficiente para as autoridades adaptarem o sistema à nova realidade. O que mais chama a atenção é justo a falta de infraestrutura para atender às condições particulares das mulheres.”

Previstos em lei, serviços para mães são raros em presídios

Prisões femininas devem possuir tanto creches quanto berçários, como determina a LEP. Apesar da previsão, só há creche em três (7,3%) das 41 unidades citadas no ofício. Em uma delas, o Conjunto Penal Feminino de Salvador, o local sequer é usado, a pretexto de que faltam adaptações e as presas sentem-se inseguras com as condições sanitárias.

Apenas 13 (31%) das unidades respondentes possui berçário. O informe registra, por exemplo, que um bebê vive na mesma cela que a mãe e duas outras detentas, em presídio sem berçário de Santa Catarina. Também foi verificada a manutenção de criança de cinco meses com a mãe em cadeia de Rio Branco (AC), onde há berçário.

Falta escolta para cuidados pré-natais em 13 (31%) das unidades. Em Salvador, usam-se veículos administrativos para escoltar gestantes e mães com os bebês nos atendimentos, já que o emprego de carro cela e algemas fere protocolos operacionais. Na ausência de efetivo militar, agentes penitenciárias acompanham o transporte. Cármen Lúcia esteve no presídio baiano, em agosto, e destacou a taxa de presas provisórias ali — 75 das 104 detentas (72%). “Precisamos ver que providência tomar. É um índice mais alto que a média nacional.”

Cenário oposto possui o Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Belo Horizonte (MG). A unidade modelo foi a primeira do tipo a ser instalada na América Latina, em 2009. Equipada com setor materno infantil, aloja 22 gestantes e 10 crianças. Enfermeiras e técnicas de enfermagem atendem em escala de plantão. As mães também recebem visita semanal de equipe do hospital público Sofia Feldman — maior maternidade do país e referência em atendimento humanizado. Com o suporte, as detentas doam excedente de leite para a rede de saúde.

Cármen Lúcia defende centros especializados. Desde a primeira reunião com os presidentes dos tribunais de Justiça, no dia seguinte à posse, a ministra trata da situação das presas, em especial das que dão à luz dentro de celas. “Isso é inadmissível. Isso é simplesmente descumprir uma lei, a Lei do Ventre Livre”.

Internas grávidas e lactantes seguem na pauta dos encontros. Cármen Lúcia cobra mapeamento e solução do quadro em cada estado, visto que trata-se de um universo pequeno e capaz de ser identificado. Na última reunião, em agosto, a ministra recebeu dados sobre gestantes detidas em cinco Estados. (CNJ)