A MP 873/2019 proíbe a cobrança de contribuição sindical a qualquer empregado que não tenha dado autorização expressa, individual e por escrito ao seu sindicato.
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Wanessa Rodrigues

A Medida Provisória (MP) 873/2019, que determina que a contribuição sindical seja paga exclusivamente por boleto bancário, traz prejuízos para a sociedade, insegurança jurídica e o enfraquecimento sindical, tanto dos empregados quanto dos empregadores. A avaliação é unânime entre especialistas ouvidos pelo Portal Rota Jurídica e reflete também questionamentos feitos por entidades em todo o país. A medida contraria entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e diretrizes do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Nesta semana, por exemplo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6114 e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário (Contricom) apresentou a ADI 6115, ambas no Supremo Tribunal Federal (STJ). Além da alegação de inconstitucionalidade, as entidades dizem que a MP viola os princípios da autonomia e da liberdade sindical, previstos na Constituição Federal.

Desembargador Paulo Pimenta.

O presidente do Tribunal Regional da 18ª Região (TRT Goiás), desembargador Paulo Pimenta, observa que há grande insegurança na MP, justamente no que diz respeito à preservação da liberdade associativa, que, segundo ele é um princípio importante assegurado constitucionalmente, o que pode enfraquecer as instituições. “O enfraquecimento das entidades sindicais, sejam elas representantes de trabalhadores ou de empresários, não interessa a ninguém. “A médio ou longo prazos, isso vai se tornar um caldeirão de potencial explosivo muito grande”, disse.

Pimenta lembra que os sindicatos têm papel importante em negociações coletivas, que evitam e solucionam muitos problemas entre trabalhadores e empregadores. O desembargador salienta que, se de um lado a Reforma Trabalhista fortaleceu essas negociações, de outro a MP enfraquece a atuação dos sindicatos, tirando sua condição de subsistência. Segundo ele, o reflexo desse paradoxo pode ser uma negociação viciada ou, até mesmo a inexistência de negociações.

Conforme avalia o desembargador, em longo prazo, a não contribuição sindical pode ensejar a perda dos direitos dos trabalhadores, conquistados justamente por meio das negociações coletivas. Pimenta ressalta que o próprio empresariado vai perceber que precisa de um interlocutor com sua massa de trabalhadores, que hoje é o papel desenvolvido pelos sindicatos.

Prejuízos
O advogado Welton Marden, especialista em Direto do Trabalho, do escritório Marden & Fraga Advogados Associados, observa que a MP traz contundentes e irreversíveis prejuízos para o trabalhador, pois visa desestabilizar financeiramente os sindicatos. Em sua opinião, a medida tem o claro objetivo de dificultar ou até mesmo impedir sua mobilização crítica em face das contra-reformas, especialmente a Previdenciária. Para Marden, a MP 873 agride não só a segurança jurídica, mas sobretudo a cidadania, a autonomia individual, o direito pátrio de livre filiação, a livre negociação, além de se caracterizar como prática antissindical.

Advogado Welton Marden.

O também advogado especialista em Direito do Trabalho, Rafael Lara Martins, diz que a MP prejudica toda a sociedade, já que ela restringe e bate de frente com a autonomia da vontade do trabalhador. “Ou seja, ele quer autorizar voluntariamente a contribuição para o sindicato, mas fica impedido depois da MP. Por exemplo, ele pode ter descontos no salário por causa de um convênio na farmácia ou por ser associado a um clube. Contudo, para autorizar a contribuição para o sindicato, algo muito importante, a empresa fica impedida. Isso fere a autonomia do trabalhador”, frisa.

Enfraquecimento
Considerando que a vida econômica e financeira do sindicato depende única e exclusivamente do trabalhador, Marden ressalta que, indubitavelmente, a MP 873 compromete sobremaneira não só sua atuação, mas também sua sobrevivência. Fato que, segundo o advogado, certamente redundaria em menos direitos para o trabalhador como um todo, a se considerar que o sindicato é o principal instrumento de luta da classe trabalhadora.

“Temos claro que o objetivo precípuo da MP em questão é, sem sombra de dúvidas, o enfraquecimento das entidades sindicais, com o claro propósito de desmobilizá-las para que não enfrentem a conjuntura e especialmente a Reforma Previdenciária. Do ponto de vista técnico jurídico, a MP não resistiria a qualquer discussão séria e sem valores ideológicos, uma vez que se apresenta com inúmeras anomalias legais”, observa Marden. O advogado acrescenta que a MP é totalmente inconstitucional, invade a relação capital trabalho, não respeita a livre negociação entre empresa e sindicato.

Advogado Rafael Lara Martins.

Rafael Lara Martins diz que o enfraquecimento sindical, tanto dos empregados quanto dos empregadores, é uma consequência das alterações que vêm sendo feitas. “O Brasil passa por um momento de transformação da sua relação sindical, temos uma legislação moderna, marcada pela autonomia da negociação (o negociado sobre o legislado), mas temos um sistema sindical antigo. Precisamos de uma verdadeira reforma sindical, enfrentando temas que são sempre adiados, mas que possuem grande relevância, como: a unicidade sindical e a vinculação dos trabalhadores por categoria.”

Insegurança Jurídica
Para Martins, a MP traz muita insegurança jurídica. Isso porque, mesmo quando o desconto for autorizado pelo trabalhador, a empresa fica proibida de realizá-lo. Assim, ela fica numa posição ruim, já que descumpre algo que foi solicitado pelo trabalhador. Caso queira repassar a contribuição ao sindicato, a empresa pode ser autuada pela fiscalização do Trabalho. Afinal de contas, conforme lembra o advogado, ela estaria cometendo algo ilícito, conforme prevê a MP. “Não tenho dúvidas que isso tem gerado bastante questionamento e deve ser refletido pelo Congresso”, completa.

A MP 873/2019 proíbe a cobrança de contribuição sindical a qualquer empregado que não tenha dado autorização expressa, individual e por escrito ao seu sindicato. Segundo texto, o requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão.