Especialistas reunidos na OAB-GO se mostram preocupados com projeto de lei anticrime

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Especialistas se mostraram preocupados com as alterações propostas pelo projeto nas legislações brasileiras

Marília Costa e Silva

Especialistas debateram na noite desta quinta-feira (04), no auditório Eli Alves Forte, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, em Goiânia, o projeto de lei anticrime apresentado pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro. Na ocasião, eles deixaram claro a preocupação com as mudanças propostas em fevereiro para reforma dos Códigos Penal e Processo Penal e da Lei de Crimes Hediondos. O evento foi uma promoção da OAB-GO e da Escola Superior da Advocacia de Goiás (ESA-GO).

As discussões foram propostas pela comissão especial criada para analisar o projeto na OAB-GO, presida por Roberto Serra Maia da Silva, diretor tesoureiro e também presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO. Participaram do evento o desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás Luiz Cláudio Veiga Braga; o procurador de Justiça Altamir Rodrigues Vieira Júnior; o advogado e professor Thiago de Oliveira Rocha Siffermann; a advogada criminalista Alessandra Nardini; o presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB-GO, Rogério Leal; o promotor de Justiça Haroldo Caetano; e o defensor público Leonardo César Luiz Stutz.

Criminalista e professor Rogério Leal

O resultado do debate de ontem constará de um relatório que será encaminhado por Roberto Serra ao Conselho Federal da OAB, senadores e deputados goianos. “A proposta é discutir os aspectos que vão trazer impacto à advocacia e à sociedade e compilar sugestões de alterações. Uma iniciativa dessa amplitude por parte do Ministério da Justiça precisa ser amplamente debatida em razão de existirem alguns pontos com aparente inconstitucionalidade”, frisou.

Prova contra si mesmo

O advogado Rogério Leal, por exemplo, que coordena o curso de Direito da Uni-Anhanguera, afirmou que existem muitos pontos preocupantes no anteprojeto. Entre eles, Leal destacou o obrigatoriedade de os presos, tanto provisórios quanto os que já cumprem pena, de fornecimento de material genético para inclusão no Banco Nacional de Perfil Genético. A negativa da extração de DNA para os condenados por crimes dolosos, mesmo sem o trânsito em julgado do processo criminal, será condenada falta grave para aquele condenado que se recusar a coletar a sua identificação do perfil genético. “Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo”, afirmou Leal, garantindo que esse princípio consta da própria Constituição Federal, sendo então a proposta inconstitucional.

Desembargador do TJGO Luiz Cláudio

Ele também lembrou as mudanças nas interceptações telefônicas, prevista na Lei 9.296/96. “A proposta visa a alterar o artigo 9º, aduzindo que a interceptação de comunicações em sistemas de informática e telemática poderá ocorrer por qualquer meio tecnológico, bem como poderá incluir a apreensão do conteúdo de mensagens e arquivos eletrônicos já armazenado em caixas postais eletrônicas”, explica Leal, assegurando que a novidade prevê a utilização de softwares para coletar o dado que se quer, podendo entrar em conflito com as fabricantes e desenvolvedoras, principalmente às margens da vigência da Lei de Proteção de Dados Pessoais.

Procurador Altamir Vieira Jr.

Já o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, que preside a 2ª Câmara Criminal do TJGO, se mostrou preocupado com o instituto do Plea Bargain. Nessa modalidade de negociação importada do sistema penal anglo-americana, o acusado pode confessar o crime em troca de não se submeter ao processo judicial e, assim, receber uma pena mais branda. Para o desembargador, uma negociação dessa magnitude legitima em larguíssima escala a “aplicação de pena privativa de liberdade sem processo”. Para ele, é o Estado preocupado apenas com a agilização da ação penal e a resposta estatal.

Alessandra Nardini, por sua vez, alertou para o fato de o projeto anticrime permitir a execução de pena após condenação em segunda instância. “Essa proposta deriva de um País sedento de justiça a qualquer custo, sem se orientar pela Constituição Federal, que prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, disse.

A proposta também abre espaço para que, no momento da ocorrência, a autoridade policial deixe de prender o agente se entender, naquele momento, que a justificativa se encaixa dentro das permitidas para a legítima defesa. Essa mudança foi citada pelo procurador de Justiça Altamir Vieira Júnior e pelo professor Thiago de Oliveira Rocha Siffermann. “Há um subjetivismo muito preocupante”, frisa Siffermann.

O promotor de justiça Haroldo Caetano criticou a ausência de fundamentos constitucionais em grande parte dos dispositivos do projeto. “É uma proposta que briga com a Constituição Federal no quesito da presunção de inocência e no princípio da legalidade”. Ele também ressaltou o estímulo ao encarceramento em massa, “modelo de prender mais e por mais tempo, que traz péssimos resultados para a redução da violência e o combate à criminalidade”. “É um projeto que deveria ser repensado por inteiro”, conclui.

O defensor público de Goiás, Leonardo César Luiz Stutz, evidenciou que “é possível prever, com esse projeto, o aumento da população carcerária no Brasil” e o impacto financeiro isso resultará. Pontuou também a ausência de referências bibliográficas e científicas plausíveis para embasar os dados e as análises apresentadas na parte introdutória do projeto. “Lamentavelmente, o texto é cheio de folclores e quimeras. Isso prejudica e muito ter um debate complexo e consistente, que é o que estamos fazendo aqui”, considera.