“Em caso recente, de dois processos distintos que tratavam de furtos com abuso de confiança em que os réus, posteriormente, venderam o objeto furtado, ambos foram condenados no tempo mínimo previsto pela lei. Em um dos casos, o acusado teria reparado parcialmente o prejuízo causado e, a ele, não foi aplicada a atenuante relativa à reparação do dano. Ele teve a mesma pena do outro acusado, que não tentou reparar o dano”. Esta fala do defensor público de Goiás Luiz Henrique Silva Almeida foi utilizada para exemplificar o que ele considera como injustiça gerada pela Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. O tema foi discutido em audiência pública no STJ, nessa quarta-feira (17/05).
A Súmula debatida traz o entendimento que mesmo com a existência de atenuantes (circunstâncias que reduzem o tempo de condenação), a pena não pode ficar abaixo do mínimo previsto em lei na segunda fase da dosimetria. Essa questão está sendo questionada nos Recursos Especiais nº 2057181, nº 2052085 e nº 1869764, protocolados, respectivamente, pelas Defensorias Públicas do Estado de Sergipe, do Estado do Tocantins e do Estado de Mato Grosso do Sul.
A fim de subsidiar a Terceira Seção no julgamento da questão, o ministro Rogerio Schietti Cruz requereu a realização da audiência pública, com a participação da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) e outras 48 instituições públicas e entidades. Cada participante enviou Memoriais com o seu posicionamento sobre o tema.
Representada pelo defensor público Luiz Henrique, titular da 4ª Defensoria Pública Especializada Criminal da Capital, a DPE-GO defendeu o cancelamento da Súmula 231. De acordo com a Instituição, o entendimento viola os princípios da legalidade, da isonomia, da individualização da pena, da proporcionalidade e da aplicação obrigatória de atenuantes. Hoje, atuando como defensor público, eu vejo o lado da injustiça desta súmula, uma vez que acaba proporcionando que algumas situações desiguais sejam tratadas da mesma forma”, afirmou o defensor público.
O artigo 65 do Código Penal determina as circunstâncias que “sempre atenuam a pena”, ou seja, fatores que diminuem o tempo de condenação. Dentre elas estão os casos onde o acusado for menor de 21 anos ou maior de 70 anos; se procurou, por espontânea vontade, evitar ou minorar (reduzir) as consequências do crime, ou reparar o dano causado; a confissão espontânea; entre outros.
Luiz Henrique explicou que a dosimetria da pena – o cálculo da pena –, no Brasil, é dividida em três fases. Na primeira, o juízo analisa as circunstâncias judiciais, fixando uma pena base a partir da pena mínima estipulada em lei. A segunda é a fase dos agravantes e dos atenuantes, e a terceira fase trata das causas de diminuição e aumento.
Outro problema, segundo Luiz Henrique, é que a súmula acaba desestimulando a confissão, que é uma das poucas atenuantes que pode incidir em qualquer caso. “O réu sempre vai poder contribuir para uma decisão mais justa e que traga mais paz ao julgador, ao saber da confissão”, ressaltou.
“E é nesse contexto que, como defensor público, muitas vezes me vejo em uma entrevista reservada com o acusado e não consigo lhe responder quando ele me pergunta o que ganhará se confessar o crime”, continuou. “Por isso a DPE-GO se coloca a favor do cancelamento da súmula e eu deixo a pergunta: porque uma atenuante não deve reduzir a pena dos crimes menos graves e dos autores menos reprováveis, quando a pena se manteve no mínimo legal?”.