Retrocesso indevido

Recentemente, a Ordem dos Advogados do Brasil realizou atos para relembrar que há cinquenta anos os militares tomavam o poder de João Goulart e instalavam um governo militar no Brasil. Esta data precisa ser lembrada porque remete a exemplos que precisam ser revistos por uma sociedade que pretende se consolidar como Estado Democrático de Direito.

O golpe de 1964 ensejou a supressão de liberdades individuais e institucionalizou a tortura, o assassinato e diversas outras formas bárbaras de tratar o inimigo interno. Condutas essas avalizadas por um Estado que, ao mesmo tempo, limitava a atuação dos juízes, preparava o sistema policial para agir de forma desprezível e contava com apoio da grande mídia, agredindo o jornalismo que ousasse denunciar seus desvarios.

Esse mesmo regime calou militantes, incluindo meu pai, Wanderley de Medeiros, enquanto Presidente da OAB-GO. Advogado de perseguidos políticos, foi processado pelo Superior Tribunal Militar porque ousou criticar a forma subserviente e inerte com que a mais alta Corte Judiciária do Brasil de então se postava diante daquele Governo.

Passados muitos anos de institucionalizado autoritarismo, a luta popular levaram às eleições diretas. Pensamentos liberais passaram a soprar no governo brasileiro. Todavia, a despeito da abertura política que se observou, resíduos autoritários ainda fazem morada no sistema punitivo brasileiro.

A repressão da atuação estatal não é apenas um fato consumado, mas é ansiado pela população incendiada pela mídia sensacionalista que tenciona legitimar o autoritarismo, veiculando matérias que despertam na sociedade o sentimento de que há um índice altíssimo de violência nas ruas, somente combatível por meio de medidas de repressão brutal.

Agora, observa-se a expansão sem limites do Direito Penal, com a criação de tipos sem atenção à subsidiariedade da resposta punitiva, às exigências de segurança jurídica e à proporcionalidade das penas. A liberdade cede espaço à necessidade de os Tribunais otimizarem seus trabalhos. Enfim, o meio acaba sendo mais importante que o fim. Exemplos deixam claro que o sistema penal segue contra o vento democrático. A edição da Lei de Crimes Hediondos, com suas várias modificações, foi, muitas vezes, desnecessária e mera reação ao clamor popular sobre fatos de repercussão midiática.

Basta ver como tem decidido o Supremo Tribunal Federal nos últimos anos: tem revisto várias de suas posições, outrora interpretações constitucionais que privilegiavam os direitos individuais. Hoje defendem a ideia, em várias decisões, de necessidade de proteção suficiente do bem jurídico, de dar credibilidade às instituições, de ouvir o clamor público, de passar sentimento de segurança à população.

Mais uma vez nos vemos pautados pela urgência e necessidade de refletir sobre a origem desse tipo de sentimento/reação que culmina na vontade de impor um sofrimento atroz a outro ser humano, acreditando que o ato é legítimo quando determinada pessoa for suspeita de ter praticado um crime. Esta é uma conduta que precisa ser descontruída a fim de que se enfrente a complexidade do fenômeno da criminalidade em uma sociedade.

*Pedro Paulo Guerra de Medeiros é conselheiro federal da OAB-GO